O resgate

Por vezes me ponho a pensar se todo mundo reflete sobre a cidade na qual mora. Alguém se dá conta deste fato aparentemente corriqueiro em algum momento? Sou afeita a essas digressões. Como vim de um lugar onde há paisagem de cartão-postal, eu não só morava, mas deslumbrava-me e distraía-me. Por essas ironias da vida, voei e acabei pousando em outro canto icônico deste planeta, onde os olhos também são presenteados a cada esquina.

E, talvez por isso, gosto de refletir sobre o chão onde piso. Sobre a cidade na qual oficializei o status de residência.

Eu não sei muito bem de onde veio essa minha consciência, mas considero importante interagir com o lugar onde se vive. No sentido amplo, geral e irrestrito de interação. Quero desde votar para prefeito até acompanhar cada problema ou solução. Carrego desde menina olhos e coração bem abertos em relação a qualquer pedaço de território onde eu finque minha bandeira de moradora.

Acontece, no entanto, de por vezes me deixar adormecer os sentidos. Talvez em função da rotina, das obrigações do dia a dia ou da famosa ‘luta diária pela subsistência’. E fico meio anestesiada, sem perceber nem o sublime ou profano do todo ao meu entorno.

E aí pouco importa se somos cariocas ou parisienses. Para não se dar conta do espaço  ao redor, tanto faz estarmos em Paris ou em Santo Antão, penso.

Mesmo assim, confesso: por vezes sou mordida por esta apatia do costume. E aí  não consigo fugir dessa acomodação, através da qual o ser humano é capaz de acostumar-se com qualquer coisa. E reagir tanto à violência do Rio, quanto às luzes da Torre Eiffel de maneira quase apática. Esse estado  me remete um pouco aos zumbis, os personagens mortos-vivos tão conhecidos das histórias de terror. Sem a energia vital, caminhamos por rumos ou percursos limitados, pouco importando a amplitude de nossa geolocalização.

Atravessar uma existência sendo indiferente à cidade na qual se mora é algo contra o qual luto. E quando me vejo caindo na cegueira sobre onde estou, é preciso tentar resgatar a cidadania de alguma forma.

Na última semana tive sorte: o amor a Paris foi içado à tona graças à visita de um amigo.

Pela primeira vez na capital francesa, ele me emprestou seus olhos de viajante extasiado para iluminar o espaço e me fazer enxergar de volta a cidade escolhida para ser, estar e reviver. Agradeço a ele. Mas meu obrigada vai também a Paris, porque essa danadinha mostrou só o seu melhor nesta última semana e, claro, conquistou mais um apaixonado.

Paris é mesmo uma cidade irresistível. E neste fim de agosto, quase cinco anos por essas bandas, rendo-me e renovo meus votos com ela. Olhando a luz rosa do céu cair sobre a tarde fresca, mas ainda de verão,  à beira do Sena, só resta me re-apaixonar por esse lugar do mundo ao qual posso chamar de ‘minha  cidade’…

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