A liberdade da solidão

Caso você tenha clicado nessa crônica em busca de uma ode ao individualismo, ou se quer mais um ensaio para falar da diferença entre solidão e solitude, errou de caminho, amigo. Errou de caminho, amiga.  Já tem alguns anos que deixei de tentar fazer filosofia de botequim. No sentido de tentar não praticar a superficialidade de ideias. Mesmo que eu ache o tom pejorativo da expressão “filosofia de botequim” bem inadequado – bastam dois minutos de história da filosofia para constatar que boa parte do pensamento filosófico grego surgiu em reuniões entre amigos, em torno de bebidas e comidas. Taí. . .

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Suruba

Em breve celebrarei 7 anos do meu exílio voluntário aqui em Paris. Em 2013 comecei a ficar de mal com a Pátria Amada, por inúmeros motivos. Dentre os quais, um movimento crescente de desqualificação da democracia. O outro, um movimento de banalização da corrupção, como se o molho socialista fosse capaz de disfarçar o gosto amargo das consequências dessa conduta na estrutura sócio-econômica-cultural do país onde nasci. O resto é história. Entre Copa do Mundo e Olimpíada, o sonho de um país promissor da capa da The Economist foi para o brejo fazendo arminha com a mão. No meio da. . .

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Outros Carnavais

Por Ana Paula Cardoso A sensação térmica em Paris neste domingo é de 6 graus negativos. O dia está lindo e mereceu uma corridinha às margens do Sena. Restou isso. A gente não pode sentar-se à mesa de um café, nem pegar um cineminha e nem encarar uma pista de ski. Remeto-me a outros Carnavais. Tem aquele do primeiro ano da vida de imigrette, no qual meti uma fantasia de pirata, com direito a papagaio de espuma e tudo colado no ombro. Fez um sucesso danado, a TV queria me entrevistar, mas fugi sambando: “não posso, sou jornalista e trabalho. . .

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Pessoas não são verbos

O que é um verbo? Segundo a definição do Bescherelle, o livro de referência da conjugação dos verbos em francês, são palavras usadas para identificar uma ação, um movimento ou um estado de alguém ou alguma coisa.  Em francês há três grupos distintos de verbos. Ah, parece fácil então. A gente pega o radical, decora a declinação final para as três pessoas do singular e do plural e está feito.  Acontece que existem os verbos irregulares. E eles não apenas são dezenas, como são super usuais. Quer dizer, quem não os domina na ponta da língua vai derrapar fácil em. . .

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O cheiro do croissant e o bicho-carpinteiro

Por Ana Paula Cardoso  Final de janeiro de 2021. Aqui estou eu novamente encarando uma jornada acadêmica num país que não é meu. Minha vó diria que tenho bicho-carpinteiro. O ditado popular ilustra de forma bonitinha essa mania de estarmos sempre em reconstrução. Eu pesquisei o termo.  Embora haja quem diga que o bicho-carpinteiro nem exista, e a expressão teria vindo de uma deformação do modo de falar a frase: « ter bicho no corpo inteiro », não há nenhuma comprovação sobre essa lenda. Para começo de conversa, bicho-carpinteiro existe. Está lá no dicionário Houaiss a prova: trata-se do « nome popular e genérico. . .

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Carta ao Brasil

Meu querido Brasil.  Como vai você? Faz tempo que não nos vemos, mas  ainda me lembro com deslumbramento do nosso último encontro. Tudo me foi dado com amor, tudo desfrutado com intensidade e prazer. Essa mesma intensidade tão peculiar sua, e que está no DNA do seu povo.  Curioso como no tempo em que vivemos juntos eu me sentia deslocada. Perdida dentro de sua imensidão de diversidade. Mesmo te curtindo muito, tem um quê de susto a cada esquina, a cada troca de governo, a cada derrota no futebol, a cada criança perdida por bala, a cada irmão negro desqualificado, a. . .

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O brasileiro e a neve. O francês e a vacina

A neve nos tira do sério Eram 9h de uma manhã de sábado quando enviei mensagem perguntando a uma amiga brasileira onde seria a aula que fazemos juntas. A resposta veio com outra pergunta: “Onde está minha neve?”. Um dia antes, outra amiga, antiga moradora da cidade e hoje de volta ao Rio, tinha me enviado mensagem perguntando se nevava em Paris naquele momento. Euzinha sequer tinha olhado pela janela no dia, mas fui lá apurar a informação. Ontem (16/01), saímos da aula com o cenário totalmente invernal. Aí brasileiro se assanha. A ponto de fazer boneco de neve em. . .

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Casei com Paris

Eu fazia a cobertura do terrível atentado de 13 de novembro de 2015. A pauta era aquela mesmice sensacionalista de sempre, imposta pelos criativos (contém ironia) editores dos veículos de imprensa: encontrar brasileiros para contarem seus dramas.  Entrevistei uma carioca como eu. Ela estava em um bar na mesma quadra do Petit Camboja na hora da chacina. Ouviu os tiros, reconheceu o som (não há morador do Rio de Janeiro que ignore o barulho feito por um fuzil) e viu um corre-corre. Ela custou a crer na realidade. Ao avistar os terroristas armados vindo em sua direção, jogou-se no chão. . . .

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Canção do exílio

Na vida de expatriado, imigrante, refugiado, enfim, de um ser humano que por um motivo ou outro desterra-se de sua origem, há um fenômeno bastante comum: o dia no qual se chora ao ouvir uma canção de seu país. Eu sei, uma música arrancar lágrimas é um fenômeno corriqueiro, comum mesmo a quem jamais cruzou o portão que separa sua casa da rua. Concordo. A música funciona como gatilho para aflorar emoções. E emoção carregamos conosco, independente de geolocalização. O filósofo Frederic Nietzsche – que na minha rasa opinião foi antes de tudo um grande escritor, portanto, um grande frasista. . .

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Toque de recolher

Um amigo faz uma postagem angustiada nas redes sociais após saber sobre o reconfinamento na França (e em outros países da Europa). Ao tentar ensaiar responder-lhe, saiu esta crônica. Previ o que aconteceria. Pode perguntar aos amigos mais íntimos. Quando « desconfinamos » em maio, cantei a seguinte pedra: « essa francesada vai se acabar no verão, em setembro recomeçam as aulas, os jovens e crianças contaminados sem sintoma vão contaminar geral, a segunda onda vai chegar mais forte, junto com o frio e doenças do outono. E em outubro estaremos voltando ao confinamento ». Feito.  Sou vidente? Não, apenas prever isso era mole. . .

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