A liberdade da solidão

Caso você tenha clicado nessa crônica em busca de uma ode ao individualismo, ou se quer mais um ensaio para falar da diferença entre solidão e solitude, errou de caminho, amigo. Errou de caminho, amiga. 

Já tem alguns anos que deixei de tentar fazer filosofia de botequim. No sentido de tentar não praticar a superficialidade de ideias. Mesmo que eu ache o tom pejorativo da expressão “filosofia de botequim” bem inadequado – bastam dois minutos de história da filosofia para constatar que boa parte do pensamento filosófico grego surgiu em reuniões entre amigos, em torno de bebidas e comidas. Taí o famoso banquete de Platão que não me deixa mentir…

Dito isso, voltemos à solidão. Por vezes é ruim. Por vezes é um alívio. Poderia dar inúmeros exemplos, mas só me vem um à mente. Um bem escatológico : poder soltar seu pum sem incomodar ninguém. 

Eu tenho problemas com pum alheio. Acho que todos devem deixar sair os gases, mas eu sempre faço acordos toda vez que dividido a intimidade. Seja com amigos, família, colegas de trabalhou ou com ocompanheiro do relacionamento amoroso. 

Eu costumo pedir para evitarem se aliviar ao meu lado.  Peço para irem ao banheiro ou ao menos me avisarem quando não vão se controlar, que aí eu saio do ambiente. Em contrapartida, também ajo assim em relação aos meus. 

Tem dado certo. Trata-se de uma questão de entender que todo mundo passa, vez por outra, por isso de sentir uma vontade incontrolável de soltar um pum. Claro, se isso for frequente, é doença ou estamos precisando mudar a alimentação. 

Agora, a grande liberdade da solidão é essa de poder deixar sair sem constrangimento.

No mais, solidão é uma opção ou fatalidade meio incongruente. Nada nesse mundo é solitário. E nem vou entrar no mérito de quem se isolou na montanha e faz sua própria comida e roupa. Porque caso não existisse a natureza, o cidadão tava mortinho da Silva.  

“Ahn, mas estamos falando da convivência com humanos, não com a natureza”…Sim, mas eu poderia discorrer horas sobre o efeito do isolamento no cérebro humano e mesmo na vida prática. Mas como você não é um ermitão, procure a história do fêmur e a civilização. Para resumir, diz a lenda (pois eu não consultei as fontes) que arqueólogos encontraram fósseis de humanos com o maior osso do corpo humano regenerado. 

Como sabemos, numa época na qual não havia teleconsulta e nem Uber Foods, curar um osso quebrado dependia exclusivamente de uma coisa: alguém cuidou de você. Alguém deu comida, aqueceu, protegeu do ataque de predadores.

Ou seja, há momentos na vida que a solidão pode ser fatal. Recomendo o filme “Na natureza selvagem”.

Minha intenção aqui não é desmotivar ninguém a ficar sozinho. Nem motivar. Muitas vezes nem queremos companhia. Muitas vezes só queremos não estar sós. São as circunstâncias da vida que acabam operando contra ou q favor da solidão. Por outro lado, companhias desagradáveis somente para preencher vazios é um desastre. 

A solidão é parte da condição humana, apenas isso. E nesse momento,  em meio a uma pandemia, em um dia de primavera ensolarada, numa Paris sem turistas, minha vizinha Torre Eiffel está sozinha. 

Olho para Madame Eiffel e percebo: nada sei sobre estar só. Muito menos sobre estar acompanhada. 

E continuo a caminhada, que é onde os sentidos se aprumam. E esse tempo verbal chamado presente insiste em tentar ser mais valorizado que seus  primos passado e futuro. 

Você também pode gostar de:

3 comentários

  1. Parabéns pela coluna.
    E também pela recomendação do filme.
    Bjo

  2. Beleza de crônica! Perfeita!!.Já dizia Vinicius “eu não ando,só ando em boas companhias”
    Adoro a minha companhia por isso não sinto solidão..