Clarear

Vim de uma cidade onde reclamar do calor é um dos esportes preferidos da população. Basta os  termômetros  ultrapassarem os 40 graus Celsius, coisa corriqueira na terra de Zeca Pagodinho, Tom Jobim e Fernanda Montenegro, para começar o festival das lamentações. 

Claro, quem aguenta um calor desses? Carioca aguenta. E o mais impressionante: aguenta fora do mar e do ar condicionado. Aguentam advogados de terno e gravata andando de baixo para cima com suas pastas carregadas de burocracia. Aguentam as vendedoras de quentinhas a abastecerem o comércio em centros populares como Madureira e Rua da Alfândega. Aguentam os trabalhadores da construção civil. Os garis. Aguentam os jornalistas sob o maçarico impiedoso de São Pedro a aguardarem por celebridades ou autoridades odiadoras da imprensa.

 Mas também há o outro lado. Quem nunca conheceu aquele ser humano reclamão da alta temperatura do ar condicionado? Seja no local de trabalho, seja no cinema. Trabalhei com pessoas que se vestiam com casaco de esqui dentro do escritório, enquanto era possível cozinhar um feijão botando a panela no asfalto. Tive amigas que levavam meia para o cinema em pleno verão carioca.

Eu não suporto calor. Minha pressão cai, meu suor se esvai em cascata, meu raciocínio fica lento como trânsito na hora do rush. Cruzei o oceano para viver em um lugar onde o frio tem seu reinado.E como se tratando de humanos só muda o passaporte, obviamente encontrei os reclamões das baixas temperaturas por aqui. E em lição de reclamação, amigo, sai de baixo que o francês é professor. 

Quando faz frio com tempo cinza é a desculpa perfeita para o mau humor parisiense aflorar no seu estado da arte. E euzinha aqui, tão fã do casaco com cachecol, já me preparo para ser o mais sorridente possível e não me deixar influenciar. Vou de George Harrison na cabeça e fico repetindo mentalmente “nothing is gonna change my world…” ( uma expressão que quer dizer algo como “nada vai afetar meu mundo interno”).

Mas eis que o inverno tem seus caprichos e vez por nos presenteia com um sol radiante em pleno domingo. O curioso é que, em geral, os dias ensolarados de inverno são mais frios quer os nublados. Já recebi até explicação de meteorologista sobre o fenômeno. Tem a ver com o efeito de estufa proporcionado pelas nuvens. Elas vedam um pouco a passagem das massa fria pela atmosfera. 

Aí eu penso: faz mais frio, o povo de Paris vai ficar insuportável. Que nada. O sol tem um efeito que os Beatles (sempre eles!) traduziram perfeitamente na canção “Here comes the sun”. O efeito do Astro-Rei sobre a paisagem, os humores e a configuração do dia valem um estudo sociológico. Sentei-me à beira do Sena e observei. Vi sorrisos. Crianças brincando. Homens e mulheres atrevidos vestindo bermudas para a corrida matinal aos 9 graus Celsius.

Comentei com o francês ao meu lado e ele nunca havia pensado sobre isso. Soltou um “bah” (aqui eles usam a mesma interjeição dos gaúchos) e mandou “é porque é melhor estar frio mas estar claro”. E agora não sai da minha cabeça a música-chiclete da minha adolescência. Clarear, do grupo Roupa Nova. Conhece? Então vai no link porque não vou ficar com essa música na cabeça sozinha…

https://youtu.be/c3ElVny3gLs

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