Pessoas não são verbos

O que é um verbo? Segundo a definição do Bescherelle, o livro de referência da conjugação dos verbos em francês, são palavras usadas para identificar uma ação, um movimento ou um estado de alguém ou alguma coisa. 

Em francês há três grupos distintos de verbos. Ah, parece fácil então. A gente pega o radical, decora a declinação final para as três pessoas do singular e do plural e está feito. 

Acontece que existem os verbos irregulares. E eles não apenas são dezenas, como são super usuais. Quer dizer, quem não os domina na ponta da língua vai derrapar fácil em qualquer conversação, mesmo a mais trivial possível. 

Esses verbos não submetem-se a nenhuma regra gramatical. E aí, meus amores, é preciso conviver com eles até os conhecermos totalmente.

Depois, ainda tem os tempos e os modos verbais. Enfim, nada tão diferente da língua portuguesa, ou seja, DIFÍCIL PACAS! Com o agravante de eu não ter começado a aprendê-los aos 6 anos de idade.

Mesmo há um bom tempo morando na França, com proficiência, diploma de graduação em filosofia e sociologia e um mestrado em andamento, eu ainda não domino os verbos. Pois é. Preciso estudá-los e, como o trabalho me absorve muitas horas semanais, cá estou num domingo abraçada ao livrinho vermelho. 

E num delírio durante a conjugação do verbo « vivre » no modo condicional do tempo passado, adveio à mente a seguinte reflexão: mal dominamos direito os verbos e já queremos conjugar a nossa vida. Por vezes a vida dos outros. E, muito frequentemente, ousamos conjugar o mundo acerca de nós. 

Temos gana de enquadrar as ações, os movimentos e os estados das coisas. E das pessoas.

Sinto informar: pessoas não são verbos. 

Quem me dera fossem.  

As enquadraríamos no primeiro, segundo ou terceiro grupos. Familiarizar-nos-íamos (gostou da conjugação no futuro do pretérito simples do modo condicional?) com as irregulares e, estudando muito, tornar-nos-íamos capazes de conjugá-las.

No entanto, de uma forma ou de outra, a sociedade – logo, todos nós – passamos a vida a nos conjugarmos uns aos outros. 

A mim, que se fosse um verbo provavelmente seria um verbo irregular do finlandês arcaico, cabe a única certeza: viveríamos melhor num mundo onde praticássemos mais uma correta conjugação de verbos e menos a pretensiosa conjugação dos outros.

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