Equação

A vida é uma nave sem controle, para desespero dos cartesianos. Descobri isso quando ainda estava na escola e uma professora de matemática esforçava-se para fazer um bando de adolescentes entender como chegar ao valor de  « x ». 

Para decifrar a equação, era preciso tirar de lugar aquela letrinha infame no meio de um monte de números. Deslocamento. O « x » sai de sua posição e, assim, o resultado vem por perspectiva.

Ora, se nem na mais exata das ciências o « x » tem direito a manter-se em sua posição, qual é a pretensão dessa  humanidade tão inexata em viver na tal zona de conforto?

Mas o pior nem é isso. O mais grave é a constatação de quão desconfortável pode ser esse lugar o qual julgamo-nos protegidos. 

E aí moram todos os problemas, não necessariamente matemáticos.

Acumulamos objetos que já não usamos pois « um dia podemos precisar ». Acumulamos roupas que já não nos cabem, pois um dia podemos emagrecer. Acumulamos sentimentos estragados, para não nos deixarmos mais enganar pelos pérfidos.

E aí vem a vida e atua como aquela onda inesperada no quebra-mar: nos dá um caixote (caixote talvez seja bem carioca, mas quer dizer ser derrubado pela onda na beira d’água). E o caldo déconcertante na beira da praia leva tudo. Da dignidade a objetos de valor. 

Levantamos com a água salgada entrando pelas narinas e garganta, um cabelo cheio de areia, biquíni ou sunga fora de lugar,  as partes íntimas à mostra e alguns pertences levados para Iemanjá (já levei um desses em Ipanema, onde se foi meu chaveiro com chave de casa, carro, armário da academia).

E aí? Como faz? Fingimos que nada aconteceu? Temos um surto e blasfemamos a existência? Choramos com peninha de nós?

 Quem dera eu tivesse a resposta certa. A única coisa que sei é: Lulu Santos tem razão. A vida vem em ondas. E essa é a única certeza. 

A gente arruma mala e mochila, atravessa oceanos, aprende de novo a andar, a falar. A gente vem morar em Paris para mudar o danado do « x » de perspectiva e basta a equação fechar uma vez, pronto! Deu tudo certo. 

Não, chéri où chérie. Não pode botar a expressão « dar certo » no passado porque a vida é dinâmica. E se você acreditar ser como matemática, aguarde a próxima traquinagem da existência. 

Porque esse negócio chamado vida é tipo a paciente professora de matemática lá do começo da crônica: esforça-se  com dedicação para fazer a turma entender o teorema.

Ou o desafio de achar o valor de « x » nos 19 batons comprados na Sephora, sem utilidade alguma num mundo mascarado. 

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1 comentário

  1. Eu também já levei um “caixote”desses…perdi meu celular startac da motorola , o último modelo da época…rsrs mas Ana Paula, caixote eu não levo mais…aprendi que temos que ficar de olho nas marés…elas mudam… ai, conforme a onda vem subindo na areia, mudamos a canga de lugar…rsrs bem carioca.