Bom humor, mau humor

No filme “Um lugar na plateia” (Fauteuils d’orchestre, da diretora Danièle Thompson veja aqui o trailler ) a personagem interpretada por Valérie Lemercier é uma atriz estressada com a vida. A alegoria do parisiense típico encarna não apenas nela, mas em diversos personagens moldados no estereótipo do ser humano mal humorado, um clássico francês mas que, convenhamos, existe também no mundo inteiro.

Uma das características mais marcantes dos personagens é reação quando o celular toca. Antes de atender ou sequer olhar no visor o número de origem da chamada, já se faz um muxoxo, se dá uma bufada e pega-se o telefone com aquela expressão facial de poucos amigos. Ao atenderem o telefone, surge aquele “alô” com entonação de “quem me incomoda?”.

Conheço dezenas de pessoas assim. Uma delas me acompanhava na sessão do filme, isso quando ainda morava no Brasil, e, quando os créditos subiam e as luzes da sala acendiam-se, virou-se para mim e disse: “Sou assim quando toca o meu celular”.

Nunca entendi bem essa reação. Talvez por ser de um tempo no qual era difícil ter telefone até mesmo em casa, quem dirá dentro do bolso. E, quando finalmente se conseguia uma “linha da Telerj” (a estatal carioca que só quem tem mais de 30 e viveu no Rio entende o inferno de depender desta empresa para se comunicar), era uma festa. E o barulho do “trim trim” causava uma alegria imensa. E tinha briga para atender.

Eu e meus irmãos corríamos até a sala para tentar ser o primeiro a dizer “alô?”. O aparelho de telefone ficava em um lugar nobre num canto da sala, com mesa e cadeira dedicadas somente a ele. Ao lado, um bloquinho de anotações e uma caneta destinavam-se aos eventuais recados a quem não se encontrava em casa.

Seriam as vivências de infância responsáveis pela formação de nosso humor? Refleti sobre isso após a última quinta-feira, Dia das Crianças no Brasil. Virou modinha na Pátria Amada postar nas redes sociais fotos de quando éramos pequenos. Eu, mainstream assumida que sou, não só adoro, como troquei minha foto de perfil por uma de quando tinha 5 anos e “encenava” para a família uma peça de teatro inventada por meu irmão, baseada no romance “O médico e o monstro” (Doctor Jekyll et Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson).

Sempre gostei de rir e fazer rir e, aos 5 anos, estava lá descabelada e com uma dentadura de vampiro, fazendo a alegria dos pais, avós e tios em um retrato de uma infância longínqua

Alguns amigos franceses não tinham entendido, acharam que era por causa do Halloween (porque estava vestida de vampiro, não porque me acharam feia, eu suponho). Quando expliquei o que era, surpresa e sorrisos. Aqui não tem Dia das Crianças. Eles acharam uma boa ideia se tivesse uma “fête d’enfance” como tem na França dia dos avós, mães, pais e até dos vizinhos.

Em compensação, vi com espanto muita gente do Brasil criticando com mau humor os retratinhos de infância nos fêicebuquis dos amigos. Uns chegavam a dizer que existiam pessoas horrorosas quando crianças e isso era assustador.

Questão de gosto. Todos têm direito de pensar o que quiserem, mas até que ponto não é uma manifestação pura e simples de mau humor criticar a modinha?  Fotos de perfil de quando se era criança em  nada altera a vida de ninguém, não é agressiva, tem ternura e até diverte muita gente.

Fiquei pensando se o Brasil anda perdendo seu bom humor e vai virar um país com um bando de reclamões sobre coisas sem importância, enquanto a nação de transforma em um lugar cada vez mais inabitável do ponto de vista da violência, injustiças sociais, fanatismo religioso e corrupção endêmica. E a eterna arrogância da minoria intelectualóide que se acha culta o suficiente para desprezar os demais.

Neste caso, fico com o mau humor francês mesmo. Pelo menos aqui tem museus sem censura, baguete, queijo, vinho e champanhe a preços acessíveis. E o jardim de Luxemburgo desfolhando e pintando de amarelo o outono de Paris.

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2 comentários

  1. Caríssima,
    Eu sou desses que chora com comercial de pasta de dentes e gargalha em velório. Não controlo meu humor, que de mau não tem nada, nem nunca teve.
    Acho chatíssimas os blasés, ranzinzas (apesar de às vezes sê-lo, só às vezes!) e mau humoradas.
    Acho um desperdício de vida reclamar e reclamar e reclamar…
    A vida é muito curta para não gargalharmos!
    Não chego a ser uma Poliana, mas tô longe de ser a hiena Hardy.
    Ah!!! os museus de Paris…
    Mas censuram também:
    https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/10/1926071-museu-do-louvre-cancela-exibicao-de-obra-devido-sua-conotacao-sexual.shtml
    Beijinhos de feijoada.