Look do dia

O look do dia ideal (Crédito: Ana Paula Cardoso)

Nunca fui fã de moda. Não sei se pelo fato de ser do Rio de Janeiro, onde moda é rabo de cavalo, sandálias Havaianas e canga amarrada na cintura, com um vestidinho na bolsa de palha para emendar em algum evento pós-praia. Ou um top de neoprene para segurar o busto quando se joga vôlei e altinho na areia, ou para um surf no fim da tarde. De fato o Rio é um convite à naturalidade do corpo e dos cabelos. 

Nunca pensei muito sobre moda enquanto vivi no Brasil, mas sei o quanto o tal “look do dia” atiça os editoriais de revistas ditas femininas. Fui ter contato com esse tipo de publicação de forma profissional. Como leitora, nunca me interessei. Mas apesar de vez por outra ter que editar ou escrever essas futilidades, foi um fato fora do ofício de jornalista que me marcou. 

Uma colega de trabalho, gorda e negra, teve uma foto publicada numa revista famosa por ir além do tal “look do dia”, ou seja, não bastava ditar o padrão, era preciso mostrar o jeito “certo” e o “errado” de se vestir. A colega em questão não era jornalista, trabalhava em outro setor e uma foto sua saiu como exemplo do “errado”, com sua roupa em listras horizontais vermelhas, considerada inadequada para sua compleição física e seu tom de pele. 

Lembro que quem trouxera a revista para o escritório não foi a própria colega refratada. Foi um homem, e branco, que fez bullying numa época na qual essa palavra nem era usada. Eu via as pessoas rindo e fazendo chacota ao redor  e dava meu sorriso amarelo e dizia achar aquilo um absurdo, mas aí eu era acusada, nos idos de 1990, de não ter humor. Mas por dentro eu só pensava “como ela deve estar se sentindo?”. 

Tive então a oportunidade de encontrá-la na cantina da empresa. Achei-a um pouco tristinha, não tínhamos intimidade, mas perguntei como ela estava. Ela respondeu “ah, chateada com essa foto aí que saiu na revista, né? Acho engraçado alguém que não paga minhas compras no shopping julgar meu modo de vestir. Mas eu estudo direito, sabe? Vou conversar com um professor meu e penso em processar a revista”. 

Ela processou, ganhou, a revista em questão parou com esse tipo de publicação de certo e errado. Mas a tecnologia surgiu, umas aves raras denominadas influencers tornaram-se o “It” no quesito tenho-menos-de-vinte-anos-mas-sou-sabichona-veja-só e há quem ame. São milhões de seres humanos de todos os gêneros ligados no tal look do dia, geralmente algo completamente fora da realidade de quem baba nas imagens. 

Não sou ressentida com essa onda. Afinal, o povo gosta, se não não teriam tantos. É que considero muito antipáticas essas fotos, indicando que tal tipo de combinação de roupa e acessórios e maquiagem é a perfeição. Ou, pior, é o padrão a ser seguido. Custo a crer que 90% da humanidade fique bem numa minissaia rosa de couro se não tiver 1,80m de altura, pernas finas, pouca bunda e uma cara de lânguida saindo de uma convalescença de pneumonia. 

Como já trabalhei para diversas revistas femininas e tenho amigas e colegas ainda neste “ramo”, acabo vez por outra me deparando com fotos indicando o que é bacana usar. Nas ruas, nas festas e por aí vai. Aqui em Paris – que em meus devaneios acho bem parecida com a pegada do Rio- vejo menos plumas e paetês do que nos editorais de moda.  Para não dizerem que o problema é que eu só ando de metrô e no transporte público só tem gente brega, permitam-me corrigir o equívoco. 

Vou direto a um exemplo. Como jornalista tenho acesso a eventos onde a nata das referências em moda participa. Numa festa, de 80 anos de uma marca de cosméticos famosíssima, estavam lá desde Isabela Rosselini à Lupita Nyong’o, passando por Penélope Cruz e tantas outras embaixadoras da tal grife. Quando as famosas sobem ao palco para uma homenagem, vejo uma mulher, 40 e poucos anos, com cabelos soltos e calça jeans. Era ninguém menos que Caroline de Maigret, única francesa legítima entre as demais e ícone do estilo parisiense.

Portanto, meus amores, eu sigo com a eterna Chanel “a moda sai de moda. O estilo, jamais”. Nesse domingo de inverno ensolarado, finzinho de ano chegando, meu look do dia é pelada na cama ao lado do bofe. E se isso fere as tradições puritanas dos desejos inconfessáveis, peço licença para ousar ainda mais. Porque as melhores coisas da vida, como fazer amor, tomar um banho de mar ou ir ao estádio torcer pelo seu time de coração, exigem nenhuma roupa, pouca roupa ou roupa muito simples. O resto é propaganda de uma indústria que ainda por cima costuma usar trabalho escravo ou mão de obra pechincha para fabricar sua indumentária. 

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3 comentários

  1. Amei suas crônicas. Bem isso.
    Assino em baixo. Genial.

    1. Obrigada pelo comentário, querida Claudette. Seja bem-vinda aos domingos por aqui!