A fábula da galinha

Conheço pessoas com muita dificuldade de se adaptar e basta ouvir a palavra mudança para sentirem um desconforto de doer até o fio do cabelo. Já outras conseguem, ao menos aparentemente, transformarem-se na mudança. São como  camaleões a trocar de cor de acordo com as circunstâncias. 

Essas observações nunca me trouxeram nenhuma conclusão definitiva, exceto que o ser humano é mesmo um bicho curioso. E nem sei se isso é uma qualidade exclusiva humana, pois basta uma hora diante de qualquer documentário do Animal Planet para crermos que qualquer espécie  é dotada de peculiaridades capazes de nos surpreender.

Alguns acreditam que outros animais não têm sentimento ou inteligência como homens e mulheres. Aí eu me lembro da história de uma galinha, habitante de uma escola onde minha irmã trabalhava na Zona Sul carioca. Lá tinha uma pequena horta e a ave em questão morava num espaço aberto, junto com outras colegas da espécie e um galo. Era uma das fornecedoras de ovos frescos e orgânicos da cozinha local. 

Um dia essa galinha específica parou de botar ovos. O zelador da escola, pessoa que ajudava minha irmã na parte pesada dos cuidados da horta, contou:

-Essa galinha aí não bota mais ovo não, professora. Deve estar velha. Agora sai todo dia, vai de noite para um canto que nem sei onde é e só volta de dia. Tem dias que nem volta. Anda meio triste, eu acho.

Minha irmã escutou atenta. E ocupada em cuidar da horta e pensando em não se atrasar para a sala de aula, pensou se ela não poderia estar doente. Mas pouco tempo depois, estavam minha irmã e o zelador ali entre pés de tomates, abóbora e jabuticabas, e vem chegando a galinha que não botava mais ovos, cercada de uma dezena de pintinhos. 

Os dois humanos, estarrecidos, olharam-se e enterneceram-se com a cena comovente. O zelador, no alto da couraça de um homem imigrante do Nordeste, com a típica defesa de usar a rigidez para encouraçar a sensibilidade, não conteve os olhos marejadas e falou com uma voz meio embargada.

– Olha só a danada! A gente pensando que não botava mais ovos e ela se escondeu porque queria ter seus filhinhos – disse o homem já com um pintinho sendo acarinhado entre as mãos.

Não sei se influenciada por La Fontaine, um francês escritor de fábulas que, não por acaso, foi inspirado pelo grego Esopo, mas identifiquei uma moral nessa história. 

O que nos motiva a correr o risco de ir para longe?

Tema recorrente de quem vive fora do ninho, costumo observar os imigrantes em uma cidade como Paris, almejada por tanta gente em busca de uma vida diferente. Converso e entrevisto muitos dos que aqui chegaram. E a resposta à pergunta sobre a motivação de terem partido está longe de ser algo generalizado. 

Em compensação, percebo algo em comum entre quem mudou de lugar, ou de comportamento, ou o modo de lidar com a vida. Toda a decisão de mudar embute uma astúcia: a certeza de que sem essa mudança não dariam seus melhores frutos. 

O nome disso é propósito. 

Então, pouco  importa se a ideia é ter pintinhos ou escrever um livro. Ou aprender uma língua ou fugir da guerra. Ou apostar num desafio profissional ou encontrar seu grande amor. O mais importante é saber a troco de que, raios, se fez esse movimento.

Sem saber o mínimo sobre o objetivo, a bússola não funciona, não se consegue nem dar o primeiro passo e, o pior, acaba-se por fazer aquilo que os outros querem ou esperam de nós.

A filosofia do “deixa a vida me levar” nem sempre vale a pena quando estamos falando em mudança, já que a famosa zona de conforto é brutalmente arrancada quando escolhe-se novos caminhos.

Agora a boa notícia: nem é preciso ser rígido. Porque depois podemos até mudar o rumo, já que a vida também nos permite explorar infinitas possibilidades. E assim pintinhos podem virar livros, ou podemos simplesmente querer fornecer deliciosos ovos para deixar as pessoas felizes no café da manhã.

Moral da história: o verdadeiro propósito transforma mudanças aparentemente sem sentido em realizações.

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1 comentário

  1. Adorei!!!
    A vida me trouxe para esta cidade e estando aqui tanta vida aconteceu!
    Beijos, Ana