Exagerados

Logo na fase inicial da minha vida em Paris, resolvi oferecer um bacalhau com natas na república ( aqui chamada colocation ) onde morei  por um mês. Éramos um total de cinco pessoas para o jantar. Boa brasileira que sou, preparei logo duas travessas. O amigo francês com quem morava foi me ajudar tirando o prato do forno e levou um susto.

– Mas por que fez toda essa quantidade???? Vai sobrar!

Naquele momento o choque cultural se fez presente: sobrar para um brasileiro é sinal de fartura e generosidade. Para um francês, é exagero e desperdício. A lição aprendida logo nos primeiros dias foi sendo consolidada à medida da maior convivência com os locais. Por aqui não se desmarca um compromisso em cima da hora. E se marca jantares, almoços e afins com antecedência. A confirmação e o cumprimento do compromisso são sagrados. As pessoas contam com um determinado número e compraram a quantidade a ser oferecida na medida exata.

A postura minimalista vale também para roupas, objetos de casa. Os apartamentos são pequenos, bem diferentes dos latifúndios tropicais, e não há armário que comporte compulsões consumistas ou estoques de comida ou outros materiais.

Claro, isso é no geral e a vida assim me parece mais simples a ponto de me ter feito internalizar esse novo traço cultural no meu quotidiano.

Acontece que continuo a ser brasileira. Tenho família e amigos brasileiros que volta e meia estão por aqui. E volta e meia também aparece alguém  com aquela tentadora oferta : “estou indo a Paris dia tal. Quero te ver. Quer alguma coisa daqui?”. Aí você pede um humilde talco da Granado e te trazem 8 talcos, cinco cremes para os pés e 18 cremes para amolecer cutículas. Como se eu estivesse no Nepal, e não na França, o berço da cosmetologia.

Ou você resolve pedir um sabão de coco e a pessoa traz quatro barras de sabão Ruth. Sem contar que escrevi isso numa crônica e agora todo mundo me traz sabão de coco. Conclusão: Eu tenho sabão de coco para abastecer a rede Carrefour até a Copa de 2022.

Para uma tia, fui dizer o quanto sentia falta de Trident de melancia. Pronto. Poderia ter aberto uma banca de camelô com a quantidade enviada. Mate Leão? Posso vender na Paris Plage este mês de agosto inteiro.

Agora tomo cuidado com brasileiro. Ao mais  recente amigo desembarcado na Cidade Luz pedi apenas um adoçante. Ele insistiu: “não quer mais nada? Posso levar farinha, cachaça”. Respondi, prevenida que sou, “não, só um frasco do adoçante tal”. Foi como se eu tivesse dito “traga o estoque de adoçantes da loja onde você for comprar”. A foto da crônica, senhores, não é mera ilustração.

Agora posso adoçar minha vida artificialmente até completar 80 anos. Graças a essa intensidade tão brasileira. Na Pátria Amada, deveríamos tirar o “Ordem e Progresso” da bandeira nacional e escrevermos: os comedidos que me perdoem, mas  exagero é fundamental.

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1 comentário

  1. Adorei. Grande Verdade. Super exagerados. Quando me lembro que dizia a meu pai que queria tomar um suco de laranja e ele saia e trazia um caixote de laranjas. Ou uma tia querida que me chamava pra um lanchinho e quando u chegava e via na mesa uma ceia que compreendia almoço, jantar e café da manhã. 😂😂