Madame Eiffel e o voto na França

Acordar em dia de eleição sem poder votar. Eis minha primeira grande dor como expatriada. Não, não posso votar na França. Preciso morar aqui pelo menos por 5 anos até ter o direito de pedir uma cidadania, a qual nem sei se me interessa. Sim, ainda voto no Brasil. E, em função da dupla cidadania, também recebo as cartas com a cédula das eleições em Portugal.

Nunca dei meu voto para Portugal por um motivo simples: nunca morei lá. Apesar do sangue, da influência cultural recebida pela família, apesar de comer bacalhau desde a mamadeira, apesar de chorar com fado e me emocionar cada vez que piso em chão de pedras portuguesas ou tomo um vinho do Porto, eu não daria um voto consciente.

Não me sinto capaz de fazer uma escolha para um povo com o qual não compartilho e nem nunca compartilhei a convivência. No entanto, meu dedo coça nestas eleições presidenciais francesas. Após três anos do que chamo de ‘exílio voluntário’ já me sinto suficientemente preparada para um voto.

Claro que a vizinha, francesa de raiz e que não gosta de barulho, não deve concordar comigo. Muito menos os eleitores de ‘Madame Caneta’ (para quem não entendeu a piadinha infame, vá até o Google tradutor e peça para traduzir caneta para o inglês)

Independente das discussões em torno do direito ao voto de estrangeiros, falo aqui apenas do meu sentimento. Acho votar mais do que um direito, mais do que um dever até. Votar me dá prazer.

Mesmo. E pode até parecer estranho para um brasileiro essa retórica, afinal, somos obrigados a votar no Brasil. Aqui, o voto é um direito, mas é facultativo. Nenhum francês precisa justificar se não votar. Ele não se identifica com nenhum candidato? Pode simplesmente nem chegar perto das urnas.

A preocupação com a abstenção é sempre grande por aqui. Há campanhas com o slogan ‘botem as luvas e votem’. Numa clara alusão a  para escolher o menos pior dentro dos seus conceitos ideológicos. Em tempo: a expressão ‘mettre les gants’ (coloque as luvas, numa tradução livre) é o equivalente ao nosso ‘tapar o nariz’ e fazer algo. Ah, quantas vezes votei no Brasil de nariz tapado…

A manchete de um artigo do Le Libération, jornal francês de esquerda, esta semana foi “Votez avec des gants mais votez“. Vote com luvas, mas vote. O texto é de uma iraniana radicada na França. Diretora de cinema e roteirista de quadrinhos e desenho animado, ela incentiva os franceses a votarem defendendo o quanto ela sente falta de ter este direito em seu país.

Ainda temos este direito no Brasil. Mas hoje eu queria ser eleitora na França.

Na minha caminhada matinal, acabei encontrando minha vizinha mais ilustre, Madame Eiffel, que logo percebeu meu estado de espírito.

– Olá, que carinha triste é esta da minha sempre sorridente vizinha brasileira? – indagou-me a Grande Dama de Paris
– Oi, Torre (já tenho intimidade com ela para chamá-la assim). Vou bem, mas hoje estou meio nostálgica…
– Por que, ma chérie?
– Não voto aqui e fico chateada de não poder participar de um momento tão histórico. Desculpa, sei que não tenho direito …
– Por mim você votava.
– Como? Você, um símbolo francês tão icônico aceitaria o voto de uma estrangeira????
– Minha pétite brasileira, olhe ao meu redor, o que seria de mim sem os estrangeiros? Meus conterrâneos por vezes me desprezam, sabia? Tem alguns que sequer montaram em mim até hoje, outros me acham feia. Sem contar os que me acham exibida demais, sempre a piscar nas noites iluminadas de Paris. Breefff (bufou)
– Acredito, Torre. O Redentor lá na minha cidade também reclama disso…
– Então, querida, como você mesma lembrou, sou a mais francesa das francesas. E conheço bem meus valores nacionalistas. Desejo o melhor para França. Quero quem ama este país como eu sempre ao meu redor. Você não vota nas urnas, mas vota com o coração. Isso não vale nada, mas conta muito. Continue respeitando as regras e sendo aquilo que você quer ver no mundo. Oh- Lá-Lá, acho que esta frase é de alguém…
– Gandhi – respondi-lhe.

Ela sorriu.

Eu lhe mandei um beijo, ela retribuiu e ainda deu um piscadela.

Meu voto emocional, com a benção de Madame Eiffel, está feito.

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1 comentário

  1. Adorei! Vou seguir o conselho. Votar com o coração. Viva madame Eiffel !!!!