O que Simone diria?

Como se diz em “malandrês” carioca, Madame Deneuve vacilou legal. A eterna “belle de jour” não assinou sozinha o manifesto contra o radicalismo dos movimentos contra o assédio sexual a mulheres, mas ela era o nome de maior exponencial. Sem ela, provavelmente o texto publicado no jornal Le Monde no último dia 9 de janeiro – em defesa da “liberdade de importunar como fundamental para a liberdade sexual” – não teria tamanha repercussão mundial.

Claro, há um toque de razão ao chamar atenção para o exagero, capaz de intimidar as aproximações quando uma genuína atração ou interesse (afetivo ou sexual) se instala. É importante, sem dúvida, bradarmos e deixarmos claro o quanto o fato de exigirmos respeito nada, repito:NADA, tem a ver com ódio aos homens.

As mulheres heteroafetivas saudáveis sabem muito bem a diferença entre sedução e um “te chupava todinha” ouvido aleatoriamente num ponto de ônibus, dito por um desconhecido ao passar. Nunca conheci nenhuma mulher chamada Catherine ou de sobrenome Leão que, ao ouvir tal chiste, tenha corrido atrás do “galanteador” de quinta a suplicar levantando a saia “oh, então chupa agora, é tudo que desejo!”.

Me aponte uma mulher feliz com o assédio brutal e invasivo e eu entrego as armas em defesa do feminismo. Me aponte uma mulher que tenha sentido um orgasmo com o estupro. Que ache normal a família fechar os olhos ao tio pedófilo. Me aponte uma trabalhadora que tenha ido apresentar um relatório ao chefe ou colega e volte contando feliz, ao ser indagada pelo resultado, “ele botou a mão nos meus joelhinnhos, acho que gostou!” e eu passarei para o lado das belas, recatadas e do lar.

Sempre disse e continuarei a dizer: o pior machismo é o que vem das mulheres. Lamentável pessoas tão significativas não entenderem o perigo de criticar os movimentos contra abusos. Não se pode abrir essa brecha, não neste momento. Não enquanto os homens ainda se acharem no direito de bolinar, puxar cabelo ou forçar qualquer coisa a mulheres porque…por que mesmo? Porque são mulheres. Há mulheres com comportamentos abusivos? Sim, mas além de ser a minoria, as leis Maria da Penha da vida funcionam para homens também. Conheço dois homens vítimas dessas fulanas que usam o dispositivo legal conquistados pelas “feminazi” a seu favor. Portando, devagar com o andor na hora de nos criticar.

Feminismo é uma palavra antipática? Engole de nariz tapado, fia. Pois é graças ao vocábulo para o qual você torce o nariz que rebolar até o chão no baile funk não vai te levar para a cadeia.

Também votar, seja nos mitos radicais, populistas ou reacionários, só é possível, senhoras e senhoritas e senhores indignados, graças a umas certas mulheres “baderneiras”, “vândalas” ou “mal-amadas” que não se intimidaram diante de tais rótulos desqualificadores.

Nesta manhã de domingo ensolarada em Paris, fico a pensar em Simone Veil, ministra da saúde de um governo centro-direita que enfrentou, em 1974, um congresso nacional repleto de homens e conseguiu aprovar a descriminalização do aborto na França. Enfrentou xingamentos, resistência conservadora e ouviu piadas machistas, mas manteve a linha e a determinação.

Também penso em outra Simone, a de Beauvoir, uma pensadora que, todos sabemos, amava os homens e tanto legou às mulheres ao refletir sobre a condição feminina, principalmente em seu livro “O Segundo Sexo”. A essa hora, talvez, a filósofa esteja revirando-se no túmulo, entre muxoxos de “afe, foi tudo em vão”.

Acho fácil criticar quando se está numa posição favorável. E se até eu me acho privilegiada, imagine as senhoras que assinam o manifesto do Le Monde? Acontece que apesar de me considerar forte, ou como gosta de dizer uma amiga, eu ser “inquebrável”, não posso comparar minha capacidade de defesa ou superação com a de outras mulheres em condições diferentes da minha.

Pois uma coisa aprendi com La Beauvoir ao ler seus textos na língua original: “Querer ser livre é também querer livres os outros”. Continuemos, pois, a denunciar os abusos contra os chauvinistas, sem nunca esquecer de reverenciar os homens que realmente amam as mulheres.

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