Silêncio

Lia outro dia mesmo uma entrevista com Alain Corbin, historiador e professor emérito da Universidade Paris I Panthéon-Sorbonne e autor do livro Histoire du silence, de la Renaissance à nous jours (Ed. Albin Michel, abril 2016) – não sei se há edição em português, mas, numa tradução livre, seria “História do silêncio, da Renascença aos dias atuais”.

Segundo Corbin, entre os séculos XVIII e XIX Paris, por exemplo, era muito mais barulhenta. Havia os mercadores gritando para vender seus produtos, o barulho do trote de cavalos pelos paralelepípedo, animais como vacas e porcos a circularem pelas ruas.

Sem contar com as atividades dos artesãos, que produziam barulhos incessantes no térreo de muitos prédios. Nesta época, a burguesa começava a se instalar, com suas oficinas na parte de baixo dos prédios, ocupados nos andares superiores por esta nova ‘classe insurgente’.

Ainda segundo o professor da Sorbonne, um fenômeno passou a fazer parte da vida parisiense: o silêncio. As famílias nobres e aristocráticas passaram a falar cada vez mais baixo e a não produzir nenhum tipo de barulho que pudesse sair pelas frestas de suas janelas.

Era preciso diferenciar-se da burguesia emergente e barulhenta. Pouco polida.

E como toda herança cultural, ainda é possível identificar fortes resquícios do cenário descrito no livro. Sofro na pele. Meu tom de voz é alto e gargalho a mais de 200 decibéis. Já fui chamada atenção no cinema por rir ‘muito forte’. Madame não gostou de um riso solto no meio de uma comédia de Almodóvar…

No bairro onde moro, quando se passa por volta das 21h ouve-se o tilintar dos talheres nas louças. Não se escutam vozes. Não há televisões em alto volume. Gritar da cozinha com quem está na sala? É difícil para um francês entender isso.

Ontem a vizinha socou a parede porque cheguei falando alto e às gargalhadas. Ok, eram duas da manhã, mas não achei tão educado. E não foia  primeira vez que fez. Ela já socou a parede quando eu falo ao telefone. Quando eu rio. Quando eu ponho música. Ainda bem que nunca ousou fazer isso quando os barulhos são, digamos, mais instintivos. Hoje, a vizinha militante do barulho zero, talvez  aristocrata,  evitou descer no elevador comigo. Estava sem graça.

Mas na parte da tarde bateu à minha porta. “Olha, ontem eu soquei a parede”. Eu digo: “Sim, eu percebi”. “Olha”, segue e vizinha, “Você fala muito alto e eram duas horas da manhã”.

Eu respondo: “Desculpa, falo alto mesmo. Vim de um país onde a maior parte das pessoas fala alto”. A vizinha tenta não parecer tão insuportável : “pois é, eu sei, mas a parede é muito fina, passa todo o som”. Eu acabo por reforçar as desculpas e prometo tentar falar mais baixo.

Depois, me arrependi de ter colocado a culpa na minha origem. Afinal, posso ter incentivado mais um voto para aquela candidata que promete deixar a França só para os franceses…

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