Exagerados

Logo na fase inicial da minha vida em Paris, resolvi oferecer um bacalhau com natas na república ( aqui chamada colocation ) onde morei  por um mês. Éramos um total de cinco pessoas para o jantar. Boa brasileira que sou, preparei logo duas travessas. O amigo francês com quem morava foi me ajudar tirando o prato do forno e levou um susto. – Mas por que fez toda essa quantidade???? Vai sobrar! Naquele momento o choque cultural se fez presente: sobrar para um brasileiro é sinal de fartura e generosidade. Para um francês, é exagero e desperdício. A lição aprendida logo. . .

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Solidão

Um amigo, que mora fora de seu país de origem, está com uma hóspede em casa. Coisa corriqueira na vida de um expatriado. A prima em questão é ótima, eles se amam e têm várias afinidades. Mas (sempre há um senão) o amigo me relata. – Cheguei em casa do trabalho e ela me recebeu super falante, e me disse “comigo aqui você ao menos tem alguém para conversar, é chato chegar em casa e não ter com quem falar”. E eu pensei: não, não é chato não. Para ele, chato é ter alguém com quem conversar quando não se. . .

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Que p… é essa, Brasil?

Fim de jogo na Rússia. Sentada ao balcão de um bar, banco alto e olhos ainda vidrados na TV, sigo tentando entender os lances repetidos nas imagens após o término da partida. Ainda distraída, sinto uma mãozinha leve na minha cintura. Olho para baixo e vejo uma menininha de olhos doces e gesto tímido. Presumo ter uns 8 anos. – Com licença, a senhora é brasileira, não é? A camisa amarela não era sinal suficiente para aquela francesinha curiosa. Sorrio e respondo. – Sou sim. E ela manda sem hesitar: – Então a senhora pode me explicar o significado da. . .

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Viver fora é complicado

Duas décadas atrás eu tinha um “namorado firme” (há 20 anos, relacionamento sério chamava-se namoro firme). Após 2 anos juntos, fui pedida em casamento. Ele não se ajoelhou com um anel de brilhantes e nem perguntou ‘quer casar comigo?’ ao pé da Torre Eiffel numa primavera parisiense.  Tudo aconteceu num domingo nublado, num apartamento em Ipanema, onde vivíamos mãe, irmãs, sobrinha e gato. Enquanto eu olhava os classificados do Jornal do Brasil em busca de um apartamento para alugar, acreditando já ser mais que hora de morar sozinha, o moço ao meu lado sugeriu “dá uma olhada nos apartamentos para. . .

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A faxina sem água – ou a vida sem sabão de coco

Para uma brasileiro, acredito que existam poucas coisas tão incômodas ao emigrar para Europa quanto a questão de limpeza de casa. E nem estou falando do custo de faxineiras ou empregadas domésticas e nem do esforço do “faça você mesmo”, que muitos privilegiados no Brasil passam a encarar na vida do outro lado do oceano. Para começar, quem nasceu, cresceu e viveu no Brasil dificilmente pode imaginar banheiro ou cozinha sem ralo. Área de serviço, então, não existe e tanque é, para a maior parte dos europeus, um objeto medieval ou algo que não viram nem em livros. Além de. . .

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Odores, clichês e os donos de Paris

A essa altura, você já tomou conhecimento do menino cearense que viralizou na internet com um vídeo sobre o verão em Paris e o mau cheiro por aqui. Foram 35, número exato, os amigos que me transmitiam o vídeo, ou me marcaram nas redes sociais, perguntando se era assim mesmo. Eu assisti, ri e ainda mandei para um pequeno grupo de amigas brasileiras, no qual costumamos compartilhar coisas bem-humoradas. Confesso até ter sentido um certo recalque. Afinal, tá lá o menino fazendo sucesso, com piadas feitas por muitos de nós nos  bastidores.  Ele já foi entrevistado pela grande mídia, aquela. . .

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Silêncio

Lia outro dia mesmo uma entrevista com Alain Corbin, historiador e professor emérito da Universidade Paris I Panthéon-Sorbonne e autor do livro Histoire du silence, de la Renaissance à nous jours (Ed. Albin Michel, abril 2016) – não sei se há edição em português, mas, numa tradução livre, seria “História do silêncio, da Renascença aos dias atuais”. Segundo Corbin, entre os séculos XVIII e XIX Paris, por exemplo, era muito mais barulhenta. Havia os mercadores gritando para vender seus produtos, o barulho do trote de cavalos pelos paralelepípedo, animais como vacas e porcos a circularem pelas ruas. Sem contar com. . .

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O jeitinho parisiense de ser

Ouviu una bufada quando apenas pedira uma informação? Ou um ‘não rotundo’ quando perguntou ao garçom sobre a possibilidade da mesa perto da janela, quando ele lhe oferecera a mesa ao fundo, perto do banheiro, e só tinha você no restaurante? Ou foi corrigido na frente de todo mundo por um amigo francês, só porque pronunciou todas as letras da palavra Bastille – e ninguém entendeu porque se fala ‘bastiiiíl’? Fique tranquilo, você não está sozinho! Todo mundo, incluídos os próprios parisienses, reconhecem essa antipatia histórica da gente local. Como um Fla x Flu, a polarização domina entre quem ama. . .

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