Odores, clichês e os donos de Paris

A essa altura, você já tomou conhecimento do menino cearense que viralizou na internet com um vídeo sobre o verão em Paris e o mau cheiro por aqui. Foram 35, número exato, os amigos que me transmitiam o vídeo, ou me marcaram nas redes sociais, perguntando se era assim mesmo. Eu assisti, ri e ainda mandei para um pequeno grupo de amigas brasileiras, no qual costumamos compartilhar coisas bem-humoradas.

Confesso até ter sentido um certo recalque. Afinal, tá lá o menino fazendo sucesso, com piadas feitas por muitos de nós nos  bastidores.  Ele já foi entrevistado pela grande mídia, aquela coisa da fama, seja de 15 minutos ou eterna. Adoro piadas e ironias, mas ainda acho difícil medir –  no humor, na piada – a nota afinada da fronteira entre a graça e o respeito.

O riso vem da crítica, como brilhantemente desenvolveu Henri Bergson, em seu tratado intitulado “O Riso”. E por mais que o vídeo do garoto-cearense-viral-do-momento seja divertidíssimo, tem sarcasmo e, vamos combinar, é duro com Paris e sua gente. O próprio Max Petterson, o nome do rapaz do vídeo sobre o cheiro, já disse que faz piada de Paris porque mora em Paris e faria de Cariri, se lá morasse.

Contra o mau odor das axilas em Paris, só talco da Granado salva. Copyright foto: Ana Paula Cardoso

Porém, nem todos entendem isso e, como era de se esperar, tudo que tem repercussão vem acompanhado dos “haters” (a turma do não gostei, da relativização etc). A maioria das pessoas foi só elogios, mas li comentários desclassificando o autor. De insultos pesados e preconceituosos (principalmente pelo fato de ele ser nordestino) até o desdém, como se ele fosse sem graça (o que está longe de ser verdade). Sem contar a clássica “Está reclamando, volta para o Brasil” (prometo uma crônica só sobre esse tema algum dia).

Os clichês são território minado, todos sabemos. Melhor seria não fomentá-los, mas…a fama de mau-cheirosos dos franceses não é de hoje e é preciso admitir: nem todo cheiro em Paris é agradável como o da madeleine de Proust. Dentre várias situações, já precisei mudar de aparelho na academia, e deixar de fazer minha série completa, por não aguentar “sachê” humano ao meu lado. Não não dá para fechar os olhos. E nem tapar o nariz, infelizmente.

Dificilmente quem mora ou já veio aqui não viveu a experiência de uma agressão às narinas. E talvez o que mais surpreenda o brasileiro médio, com toda nossa arraigada formação casa grande-senzala, é o fato de o fedor vir de todas as classes. Posso estar enganada na minha tese de botequim, mas tem muito de cultural nosso nisso. Temos, nós brasileiros, mais tolerância com o suor e os maus odores da classe operária, mas não a admitimos a quem tem grana para comprar um desodorante da La Roche-Posay.

“Fico aqui só imaginando um francês indo para o Ceará e depois fazendo piada com  nossas mazelas”

Então, brincar e fazer uma caricatura, como fez o menino Max,  leva à explosão do riso preso na garganta. Talvez pela revolta cada vez que um burguês mal asseado levanta o braço no metrô. Eu ri, tu riste, ele riu. Nós rimos, vós ristes, eles riram. É normal. Porém, contudo, todavia, tenho uma simples questão a levantar: gostaríamos de nos ver numa caricatura como a feita pelo garoto?

Fico aqui só imaginando um francês de Calais (no norte da França), por exemplo, indo para o Ceará e, num belo dia, ele resolve fazer um vídeo  e piada com nossas mazelas (as quais nem vou citar para não dar ideia…). Noooooossa! Geraria um incidente diplomático e teriam que chamar o nosso ministro das Relações Exteriores.

Ser crítico é bom, desde que aceite-se a retribuição.  O menino engraçado abriu uma brecha pata a réplica, a qual tenho dúvidas sobre se iríamos aguentar. E, além disso, ele ainda foi mexer com um assunto tabu: falar mal de Paris. Não pode, mon chéri…você não sabia? (Ei, isso foi uma ironia).

No Brasil duas coisas são lei: gringo não pode falar mal de nós e nós não podemos falar mal de Paris. Entre brasileiros residentes ou frequentadores da capital francesa, basta alguém fazer um pequeno comentário do tipo “francês reclama muito” e vem logo algum compatriota com banca de “autoridade máxima da Cidade Luz” para desconstruir suas observações. Não por acaso, Max fez um vídeo “se explicando”.

“Amar cegamente Paris e defender a cidade e os seus habitantes, como se fossem seu patrimônio, é uma característica forte entre os brasileiros em Paris”

Já passei tantas vezes por isso que agora chamo esses brasileiros de “os donos de Paris” ou os “expatriados croissant” (só para podermos juntá-los todos à mesa: coxinhas, mortadelas e croissants). Eu mesma tenho meus momentos croissant, ora, ora. Quem nunca comprou a verdade? Nem que tenha sido por alguns instantes?

Amar cegamente Paris e defender a cidade e os seus habitantes, como se fossem seu patrimônio, é uma característica forte entre os brasileiros em Paris. Crítica inata e por vício do ofício que sou, não canso de escutar que preciso parar de falar que eles são mal humorados, ou que preciso aceitar o garçom grosso, ou achar normal mandar o exame preventivo pelo correio, ou que é para meu bem o fato de o padeiro me corrigir na frente de toda a fila da baguete,  ou entender a bufada da vendedora da loja na qual pretendia gastar meu dinheiro, ganho com muito suor nas axilas, como um ato revolucionário de resistência, pela “égalité”. E por aí vai…

Tem horas que cansa e aí a gente faz piada, sim, porque, voltando a citar Bergson, é a melhor forma de exercer a crítica e ainda fazer a catarse. E se o ditado “em Roma, seja  romano” manda, fazer piada é uma boa forma de nos igualarmos aos parisienses. Pois, curiosamente,  os próprios franceses, em 80% dos casos, mostram-se bem mais abertos às críticas sobre eles do que os “donos de Paris” de outras nacionalidades.

Ué? Vocês não suam e nem fedem naquele calorão, não?”, perguntou o amigo francês.

Acostumadíssimos a criticarem Deus e o mundo, não seriam deselegantes com quem lhes aponta os pontos negativos. Um bom exemplo aconteceu no dia mesmo  que assisti ao vídeo. Mostrei ao amigo francês. Expliquei do que se tratava e o moço, com toda fleuma francesa, manda: “Ué? Vocês não suam e nem fedem naquele calorão, não?”. E mudou de assunto. Tudo simplesmente assim.

E quem acabou refletindo fui eu. Embora feder seja natural a qualquer um de nós, no Rio de Janeiro eu sentia muitos odores: de lixo, esgoto, água poluída. Mas as pessoas têm menos cheiro ruim exalando do corpo, mesmo no calor de 50 graus. Lembro-me de muitos momentos no trem da Central (peguei muito trem, tá? Suburbana, trabalhando no Centro e tendo que chegar rápido à faculdade) e no metrô carioca lotados. E não consigo lembrar de mau cheiro. Tem muitos outros problemas, mas fedor não é um deles.

E tem uma situação, dessas que a gente não esquece, que ilustra bem. Uma vez o vagão estava tão cheio, mas tão cheio, que fiquei, literalmente, debaixo de um sovaco de um moço enorme, devia ter 1,90. Ele estava de camiseta e o calor era forte. Começaram a cair uns pingos no meu rosto. A fonte da goteira era a axila direita do homem. Impedidos de nos mexermos, o cidadão, com jeito humilde de trabalhador, ficou com tanta vergonha que me pedia desculpas quase chorando.

Eu lembro de ter respondido “Relaxa, moço. Pelo menos o senhor está cheirosinho. Pior seria se eu estivesse no metrô de Paris”. E o vagão lotado explodiu em gargalhada. Esse episódio é só uma mostra de duas coisas: 1) mesmo quem nunca esteve em Paris conhece a fama. 2) O Brasileiro pode até feder, mas talvez seja pelo excesso de colônia Contouré

Voltei para a conversa com o francês ao meu lado e respondi: “não, a gente não fede tanto”. E ele perguntou “qual é o segredo?”. E como não tinha mais o que dizer, respondi: “Talvez seja o polvilho antisséptico Granado.

Observação: não ganhei um tostão da Granado por este post. Eu realmente sou usuária e aqui em Paris, depois de testar inúmeros desodorantes que não funcionam, só polvilho antisséptico Granado salva.

Você também pode gostar de:

15 comentários

  1. Ana, além do polvilho antisséptico Granado, o Leite de Magnésia de Phillips é maravilhoso. Passo após o banho matinal e sigo até a noite sem um cheirinho ruim, mesmo trabalhando o dia todo e fazendo duas horas de academia no final do dia.

  2. Só uso o talco Granado, há muitos anos e para onde viajo, levo.
    Au revoir 😘

  3. Ahahah… mas adorei esta crônica bem humorada. Q não deixa de dar as alfinetadas necessárias em ambos os lados. E avalia bem peculiarmente ” cada qual no seu quadrado”. Valeu!
    Em tempo: os americanos já descobriram a Granado. E se os franceses tb o fizessem , seria ótimo.

  4. Tb ri, mas já estive em Paris mais de uma vez e nunca senti mal cheiro em nada. Talvez pq não vou com a intenção de sentir “cheiros” e sim ampliar minha cultura e ver a beleza da Cidade Luz

    1. Obrigada pela leitura Moema. Olha, juro para você que não sei como faz para não sentir cheiro só por não ter intenção. Me ensina, por favor!!! , porque às vezes é difícil, principalmente na academia 🙂 Beijos!

  5. Adorei Ana, ri muito,rsrsrs. Humor inteligente, muito bem escrito. Confesso que teclei com o Max pelo mensseger do face, muito gentil, gente boa! Adorei os vídeos dele, também ri muito, embora tenha ficado de início meio chocado, pois meu sonho de infância sempre foi Paris, e você acaba idealizando um monte de coisas – gente educada, simpática, cheirosa, blablabla,rsrs. Enfim, falam horrores de nós baianos, algumas coisas verdade, outras não, muitas puro preconceito. Com pessoas mal educadas, pouco cheirosas ou não, breve estarei lá!

  6. Nāo adianta francês se ofender, verdade seja dita, custa tomar banho pelo menos 2 vezes por dia, trocar a roupa e mão reusá-la, lavá-la sempre , coisa que não faz, pelo menos no verão? Experimente entrar numa academia, é insuportável o mal cheiro! País que é responsável por criar os perfumes mais incríveis, não tem bons hábitos de higiene, inclua aíescovação dos dentes, abominam fio dental! Estamos no século 21, sejam humildes e revejam seus maus hábitos, os turistas vão agradecer!

    1. Querida Maria, obrigada pela leitura. Mas o francês não se ofende, não. Somos nós brasileiros que ‘tomamos as dores’. Um beijo.

  7. Uma vez tive que dispensar uma “femme de ménage ” não aguentava seu cheiro. Já na minha família francesa todos somos cheirosos. Et Vive la France!

  8. Os franceses e os belgas não tomam banho diariamente e quando tomam repetem a roupa.Já me hospedei e recebi hóspedes muitas vezes. Classe média alta.