Meu pequeno Louvre

Por que as lágrimas não apagam fogo? Choraram milhares. Talvez tenha chegado a milhões. A cena da noite no último domingo na cidade do Rio de Janeiro chegou a Paris das mais variadas formas.  E ainda estava impregnada em sua mente.

Os irmãos, companheiros das visitas frequentes durante a infância, já sinalizavam através das ferramentas de comunicação on-line. Pareciam querer alertá-la, antes que pudesse saber por outras fontes. Assim como fazemos quando morre um ente querido.

Mas as imagens transmitidas ao vivo pelas agências de notícias não a pouparam da dor. As lágrimas desceram sem chance de serem controladas. E em segundos, já se via aos soluços.

Debulhar-se em lágrimas a fez viajar no tempo. Ao dia no qual entrara pela primeira vez no Museu Nacional, a imponente construção outrora residência da família real e então abrigo de grande parte do mais importante acervo científico de um país. Naquela manhã de um domingo qualquer, a menina caiu no choro. Ficara com medo dos esqueletos dos dinossauros, localizado logo na entrada do endereço histórico. Para não estragar a visita dos irmãos, na época com 6 e 8 anos, o pai, carinhoso e paciente, tomou-a no colo. E assim, com a cara enterrada no ombro do pai, sem coragem de abrir os olhos, visitou as amplas salas. Ouvia seu pai lhe explicar sobre os meteoros, o petróleo, a múmia. Mas os olhos foram mantidos cerrados.

Poucos anos depois. Num clássico fim de semana de pique-nique com a família na Quinta da Boa Vista, a pequena encorajou-se:

– Vamos ao museu? Eu não tenho mais medo.

A partir dali, a menina virou habituée. Gostava de ver a tartaruga gigante e os artefatos indígenas. Tinha também uma parte sobre doenças transmitidas por insetos. Passou temer o tal barbeiro, um bicho com cara de barata, o qual lhe parecia muito perigoso.

Algum tempo depois, sua mãe, na época professora de francês, lhe explicava sobre o Museu do Louvre, em Paris. Ao contar que ali moraram os reis da França, a esperta menina (como são, normalmente, todas meninas daquela idade, ela não era nenhum fenômeno) fez logo a associação:

– O Louvre é o Museu da Quinta de Paris, né mamãe?

A mãe sorriu. Localizado no bairro carioca de São Cristóvão, em casa o chamávamos carinhosamente de “Museu da Quinta”. E naquela conversa com a mãe, ficou decretado no coração da menina que o Museu Nacional seria o seu pequeno Louvre.

Na semana seguinte à tragédia na sua cidade natal, a menina foi levada por sua versão adulta ao museu do Louvre. Dirigiram-se até a múmia e choraram mais uma vez. Elas lembraram da irmã, hoje uma professora que ensina ciências aos alunos e que amava o museu como elas. A irmã lhes ensinara que o processo de mumificação do Museu Nacional só existia igual em outros 3 diferentes museus. Agora são apenas dois.

As duas tentavam consolar-se entre os tesouros egípicios, quando deram de cara com as estátuas de Akhenaton e Nefertiti de mãos dadas. Deram-se as mãos também e fundiram-se em uma . A menina que amava o museu da Quinta da Boa Vista voltou a ser apenas a mulher que prometeu à sua criança jamais se tornar amarga. Agradeceu ao Universo por ter um outro museu tão próximo de sua casa. E naquele momento, compreendeu: as lágrimas não apagam incêndios, mas podem apaziguar corações.

 

Credito da foto: Instagram do Museu Nacional UFRJ

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