Adaptação

Uma das mais frequentes perguntas direcionadas aos expatriados mundo afora é a clássica “E como está sendo (ou foi) a adaptação?”. Costumava colocar esta questão no conjunto das meras figuras de linguagem ilustrativas. Tipo fazer menção à meteorologia ao encontrar vizinhos no elevador ou perguntar se está tudo bem a alguém com o qual não se tem a menor intimidade.

A estas perguntas retóricas, respostas evasivas são sempre bem-vindas.
– É, acho que vem chuva aí…
– Parece que das fortes…
– Céu carregado. Periga alagar tudo…

Ou.
– Oi, tudo bem?
– Tudo bem, e você?
– Vai-se indo…
– É isso aí, o importante é ir e não ficar parado.

Quando a pergunta sobre adaptação à vida em Paris vinha, eu costumava responder no automático.
-Sim, eu gosto de frio.
Ou:
– Sim, só preciso ter cuidado com a quantidade de pão.
E até:
– Sinto falta de sorrisos, mas a vida é mais legal mesmo assim.

Mal sabia eu que a verdadeira adaptação à vida parisiense se dá quando você sai de férias em agosto. Chegando hoje de uma viagem pela costa mediterrânea catalã, me dei conta disso.

Agosto em Paris, para quem ainda não sabe, é o equivalente ao nosso janeiro no Rio. No auge do verão no hemisfério norte, a capital francesa sofre uma evasão de moradoras e uma invasão de turistas.

A diferença é que no Brasil não se fecha padaria e nem banco nessa época. Já por aqui, as empresas praticamente param. É raro mesmo conhecer algum parisiense que não passe ao menos uma semana fora da capital francesa no mês mais quente do ano.

De garçom a executivo, todos buscam seu lugar ao sol. Eu, ingênua que era ao aqui chegar, ainda tentei resistir. Se no Brasil nunca fui afeita a tirar férias em janeiro, justamente por causa dos preços e excesso de gente na alta temporada, não me renderia à mesmice em terra estrangeira.

No primeiro ano, o deslumbre ofuscou um pouco a irritação com as padarias fechadas e o funcionamento dos correios em esquema de meio-expediente. Passei quatro dias em Marselha e já foi bom demais.

No segundo ano, parti ao Rio nas primeiras férias como
expatriada e tudo era diferente. Havia toda a missão de rever amigos, a família e resolver uma ou outra pendência burocrática.

No terceiro ano, precisei ir à Pátria Amada em novembro e, decidida a ficar por lá mesmo e passar o Natal com a família e o Réveillon em Copacabana, resolvi trabalhar bastante em agosto e economizar uma grana.

Agora, uma viagem planejada em fevereiro, com hospedagem e passagens já compradas desde abril, desenrolou-se no meu quarto mês de agosto como parisiense.

Ao voltar a Paris, sentindo-me leve como uma pluma, percebi o verdadeiro sentido da palavra adaptação. Me dei conta que somente agora me sinto de verdade uma moradora da cidade. A epifania aconteceu há pouco, ao sair para dar um pouco de vida à geladeira vazia.

Deparei-me com uma Paris ainda vazia, mas já com um movimento. Enquanto uns moradores estão de chegada, já marcando almoços, jantares e reencontros, outros partem para aproveitar a última semana do alto-verão.

Rumo às compras, passo em frente ao bar que costumo frequentar e o garçom me chama pelo nome. Cumprimentamo-nos com dois beijinhos e perguntamos um ao outro como foram as férias, quando chegamos, para onde cada um foi.

No mercado de produtos orgânicos, a atendente pergunta se estive no Rio nas férias – era o bronzeado espanhol funcionando. Acabo lhe dando uma receita de camarão na moranga e ela, que não pôde tirar ferias, parece ter ficado feliz em aprender uma receita tropical.

No elevador, a vizinha que tem um cachorrinho simpático faz menção à minha cor adquirida em duas semanas de sol e me conta como passou seu merecido descanso na casa de amigos no interior do país.

Sorrisos escapam do rosto de quem vem chegando. E a gente percebe o quanto esse período afastado da cidade tem poderes de integrar as pessoas.

Férias em agosto em Paris é uma instituição nacional. E você acaba sentindo-se inserido quando percebe que o assunto mais interessante aos parisiense no pós-férias é escutar sobre o local onde você passou as suas férias. É uma espécie de autorização velada a se tornar parisiense.

Afinal, desta forma você já contribui para dar dicas de um lugar em potencial, para onde o seu interlocutor parisiense poderá ir nas próximas férias de agosto…

 

 

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