A profissional do sexo e o professor

-Vous m’avez fait rougir… (você me fez enrubescer – numa tradução literal – ou “você me deixou deixou vermelho”) – foi a frase do dia, para entrar em mais uma das muitas histórias desta minha vida parisiense.

Mas eu não tive culpa. Como muitos dos meus leitores sabem, escrevo sobre os temas sexo e relacionamento para uma revista feminina, A Revista da Mulher, assim como também já fui colunista de sexo do site O Masculino.

Ou seja, sexo paga minhas contas. E não vejo nenhum mal nisso, ao contrário. Eu, uma jornalista com um portfólio de matérias sobre temas variados, de atentados terroristas até produtos de beleza, de entrevistas com celebridades internacionais do cinema a resenhas de futebol, sempre fui contra essa “praga” do jornalismo atual: o jornalista especialista.

Mas devo admitir que ando me especializando no tema que é a verdadeira preferência nacional. Ou melhor, mundial. Quem não gosta de sexo, é, ao meu ver, praticamente como a poesia da canção sobre quem não gosta de samba. A diferença, no caso, seria que quem não aprecia o esporte pode ser doente de outra parte do corpo, não do pé…

Enfim, essa é minha opinião e nem vou discutir aqui sobre quem faz voto de castidade. Isso é outra história, completamente diferente. Quando quero emagrecer 20 quilos faço voto de não comer uma baguete com manteiga por dia. Vivo bem sem isso, não penso na baguete, mantenho-me numa distância segura dela, mas isso está longe de ser ‘não gostar’.

Voltando então ao meu modo de ganhar a vida, essa história de ser especialista me irrita por uma simples razão: aprendi com a velha guarda do jornalismo que o bom jornalista é aquele que sabe apurar. Ou seja, eu não preciso ter mestrado na Sorbonne se eu tenho fontes especializadas no assunto a quem sei fazer perguntas.

Na minha passagem por algumas redações, sempre achei um pouco absurdo – , não o conhecimento do assunto,pois isso é preciso para saber questionar – alguns jornalistas terem virado verdadeiros defensores da tese, em busca apenas de fontes a confirmarem suas linhas de pensamento.

Particularmente, sempre preferi entrevistar quem pensa diferente de mim. Isso me aguça a capacidade de argumentar e me coloca em xeque-mate com velhos conceitos arraigados. Mas minha experiência como jornalista de sexo tem mexido com esses meus conceitos.

A cobertura deste tema nos leva a ou pouco explorados, ou simplesmente ocultados pela relva da moral e bons costumes, a cobrir nossas perversões enrustidas. Cada vez que escrevo sobre um tema como, por exemplo, o questionamento sobre se “fazer sexo demais alarga a vagina?” Vejo a audiência subir. Talvez  apenas pelo fato que poucas pessoas ousam perguntar isso, nem mesmo a um médico em seu consultório.

Converso com médicos, antropólogos, sexólogos, psicanalistas e com muita gente intitulada de “libertina” para construir – ou desconstruir talvez – um monte de modelos convencionais que, muitas vezes, estão longe de serem o caminho para o prazer sexual.

Apaixonei-me de tal forma pelo tema a ponto de hoje pensar em estudar mais o assunto e me aproximar daquilo a que se convencionou chamar de especialista.

Mas independente de ser ou não especialista, devo contar-lhes que no Brasil ser jornalista de uns tempos pra cá tem nome e sobrenome, do tipo “jornalista de economia”, “jornalista político”, “jornalista de moda”, “jornalista esportivo” e por aí vai. E na França é ainda pior.

Por isso a coisa mais trivial do mundo foi o professor, que me aplicava uma prova oral (por favor, resistamos ao trocadilho…) perguntar, ao saber de milha profissão,  “você escreve sobre qual tema?”.

Ainda tentei ser vaga. Sou jornalista independente, faço trabalho de correspondente, escrevo sobre todos os temas, disse-lhe. Ele insistiu “mas não há um tema sobre  o qual você trabalhe mais?”

– Eu escreve sobre sexo e relacionamento para uma revista feminina.

Foi o suficiente para o professor, com  ar de quem achou interessante, e soltar:

– Ah, então temos uma especialista em sexo

– Não uma especialista, professor. Apenas ganho a vida com isso. Sou uma humilde profissional do sexo…

O professor ficou vermelho, mas soltou uma gargalhada mesmo assim. E a prova correu em um clima muito mais descontraído…

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1 comentário

  1. As muitas formas de ‘se viver de sexo’. Que poético.
    E que delícia ver tão bem bordados, com mãos habilidosas, diferentes questões humanas em um só texto (ah, as crônicas!): as relações jornalista x fonte e jornalista x conhecimento específico, relações sexuais, relações com a cidade, relação com os tabus, e até a relação aluna x professor.
    Suas crônicas são, para mim, doses prazerosas de reflexão, aprendizado e diversão.