Benção

– Eu não sei por que essa cisma de largar tudo e ir morar em Paris…
– O que você chama de “tudo”, mãe?
– Seu país, sua cidade com a qual se identifica, o apartamento decorado com tanto carinho, seus laços com amigos e família. Sem contar a recusa ao convite para trabalhar no site dessa jornalista famosa. Ela adorou você, poderia crescer lá dentro…
– Mãe, ter uma experiência de morar fora sempre foi um sonho. Você não teve condições financeiras para me dar um intercâmbio quando eu era jovem. Agora, sinto que, se eu adiar mais uma vez, talvez não vá nunca mais…

Faz-se um pequeno silêncio. Parecia uma eternidade. Uma pausa de reflexão nada habitual àquela mulher pequenininha e com cabelos dourados, mas impulsiva e de ar angelical que não corresponde à sua firmeza.

– Bem, minha filha, se é um sonho, vai!

Aquela singela frase inesperada – raras vezes a vi cedendo após tão curtas argumentações – fez um efeito semelhante ao de ver o nome na lista de aprovados no vestibular. Ou da cesta de três pontos nos 3 segundos finais de um jogo de basquete, no qual o placar apontava 90 para seu time e 92 ao adversário.

Era para eu ter corrido e a abraçado em comemoração, mas tive receio de que uma reação qualquer viesse a quebrar encanto daquele momento. Mudei para um assunto banal para não esvaziar a benção que acabara de receber.

Em novelas e filmes de época, não é difícil ver personagens mais novos dirigindo-se a pais e mães com uma frase de abertura. Não se trata de ‘bom dia’ ou ‘boa noite’. As portas de qualquer diálogo abrem-se através de um singelo cumprimento: ‘benção, mãe’ para logo em seguida ouvir-se ‘Deus o abençoe, meu filho’.

Cresci sem formação religiosa (nem batizada sou), livre para fazer minhas escolhas espirituais. Portanto, quando via alguém de carne e osso –  e da vida real – pedir a benção, me soava como algo arcaico.

Nunca senti necessidade da benção de um ser superior ao qual chamam Deus para coisa nenhuma. Essa entidade suprema, criada pelos homens, para mim está nas atitudes. Nos valores colocados em prática. Caridade, honestidade, empatia e benevolência são algumas traduções de Deus, a meu ver.

A lei da causa e efeito é minha pastora e nada me faltará. Afinal, como já li numa frase de caminhão, que atualmente passa em letras coloridas nas timeline das redes sociais, ‘não adianta rezar para santa, na vida a gente só colhe o que a gente planta’.

Nunca tinha imaginado, porém, que aquele “Deus lhe abençoe” dito por um pai ou uma mãe estava muito além dos desígnios da Divindade. Após ouvir de minha mãe o verbo ir no imperativo, dei-me conta do efeito “Deus lhe abençoe”. Aquele “vai!” Foi a benção, a qual nem sabia ser tão necessária quanto o passaporte na hora de vir embora.

Dei-me conta que a gente cresce, casa, uns criam filhos, outros se destacam no trabalho, damos conselhos e acolhemos amigos, cansamos e recomeçamos,  vivemos relações amorosas, somos correspondidos e abandonados, atingimos a independência financeira ou nos afogamos em dívidas, mas nunca, nunca mesmo, deixamos de querer ganhar a benção de nossos pais em momentos decisivos.

Hoje é Dia das Mães na França. Aqui se chama Fête des Mères e, em geral, comemora-se no último domingo de maio. Estou longe da minha no plano físico, mas carrego-a na saudade e nesta benção em forma de “vai!” Sem a qual eu até poderia ter trilhado o mesmo percurso, mas teria sido mais bem difícil entrar no avião…

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2 comentários

  1. Me lembra uma cena de um filme que, confesso desavergonhadamente!, adoro, Lisbela e o prisioneiro.
    – Vai e seja feliiiiiiiz!