Um tigre no coração de Paris

Era sexta-feira de novembro. Um tigre escapa da jaula do circo e sai andando pelas ruas de Paris. Não, não foi ficção. O fato real logo inflamou as redes sociais. Alguns conhecidos viram o animal e contaram a sensação de incredulidade que a cena lhes acometeu.

Mas enquanto passeava nos trilhos do tramway (espécie de BRT parisiense) do Boulevard Victor, o felino foi abatido sem piedade por uma bala de fuzil. As autoridades alegaram precaução. Afinal, um projétil de tranquilizante poderia levar até 20 minutos para fazer efeito, tempo suficiente para a fera causar estragos “imprevisíveis”.

Na notícia, a palavra “imprevisível” usada pela autoridade policial foi a que mais chamou minha atenção. Indubitavelmente, se uma certeza há no fato de um tigre passear pelas ruas de Paris esta certeza é a total incertitude sobre suas consequências. A polícia de uma cidade grande nunca está preparada para o inusitado fato de um animal selvagem solto nas ruas.

Terrorismo, roubos e assaltos, violência sexual, acidentes de trânsito. Tudo isso já faz parte do escopo de função de um agente de segurança na capital francesa. Já lidar com um tigre de verdade esbarra na total cegueira sobre as possíveis consequências do bicho solto no perímetro urbano.

Na falta de controle sobre o selvagem, a decisão foi matá-lo. Inevitável fazer uma analogia com o humano-civilizado-nosso-de-cada-dia. Quantos de nossos instintos selvagens são controlados em nome da ordem? Quanto das demandas de nosso coração, esse insolente músculo, não são abatidas impiedosamente por um tiro fatal?

Depois, embrulhamos em saco plástico preto os sonhos, desejos, sentimentos, instintos e impulsos. Os encaminhamos em seguida ao IML da amargura e os enterramos como indigentes emocionais.

O tigre se libertou e perdeu a vida. Mais ou menos como a vida de todos nós. Quando nosso coração selvagem sai da jaula, dificilmente ele não será atingido. Por vezes, por um estopim fatal.

Na minha fantasia lírica, a morte do tigre é a representação do imediatismo, do medo do novo, do despreparo para lidar com o que é diferente. Assim como muitas de nossas utopias, o tigre de Paris morreu inocente, apenas porque seguia seu caminho para realizar um sonho: conhecer a Torre Eiffel…

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2 comentários

  1. Muito lindo, bichinho. Nossos tigres cotidianos que ousam conhecer o que não está no seu roteiro assustam, causam confusão e medo, mas quando conseguem escapar vivos abrem os horizontes.
    Bjs

  2. Interessante analogia. Realmente não sabemos lidar com o selvagem. Medo de identificação ou reação à chamada a realidade que bater de frente com um tigre (uma onça, um javali, whoever..)traz. E nos é próprio, esse instinto bem selvagem, atacar diante das ameaças.
    Pobre tigre. Pobre homem que mata seus instintos em nome de uma racionalidade qualquer.
    No fundo, no fundo, em Paris ou no Brasil, é fera contra fera!
    Beijo