Ele chegou

Confesso, nem estava mais me lembrando da existência dele, tão enebriada estava com o sol brilhante e as flores insistentes de um verão prolongado em Paris. A estação mais quente foi bem generosa neste 2018 e permaneceu um bom tempo. A extensão do calor trouxe ainda mais charme à cidade.

Atribuo isso à alegria exponencial dos moradores da capital francesa quando o clima está mais para ar condicionado que para aquecedor. Fazer calor em setembro é algo difícil por aqui. Não menos difícil que explicar a felicidade dos parisienses enquanto o termômetro marca em torno de 25 graus. Então, seria preciso vir até aqui. Ouvir as conversas  nas varandas dos cafés, perceber os bronzeados nas peles e escutar a sinfonia do tilintar do gelo dentro das taças de vinho branco e rosé.

Eu não sou afeita ao calor, mas aprendi a compreender o magnetismo do Astro-rei sobre uma população acostumada a passar ao menos nove meses por ano embalada por casacos. Minha experiência tropical em viver de pezinhos de fora e vestidinho todos os 12 meses do calendário me concedeu, talvez, certa tolerância em cobrir-me com botas e meias. Indumentárias praticamente inúteis na cidade do Rio de Janeiro.

Ficamos mesmo mais elegantes em tempos mais frios. Ao menos eu me sinto assim. Pode ser pelo fato de as estações geladinhas serem menos opressivas em relação ao culto ao corpo e me fazem desencanar do meu abdome imperfeito. E mesmo para os dotados de corpos esculturais, de acordo com os modelos vigentes, sustentar elegância no verão só na praia, acredito.

Como Paris não tem praia, o verão é o período da deselegância alegre na Cidade Luz. Vamos todos para a grama dos parques e dobramos calças e mangas de camisa, após um dia de trabalho. Vale qualquer subterfúgio para receber raios de vitamina D através dos poros. E assim, setembro foi passando e distraindo-me, apagando de minha os amores de outras estações.

Mas como amor verdadeiro nunca acaba, renova-se, eis que numa sexta-feira desavisada, eu o reencontro numa esquina do Quartier Latin, logo após passar pela Place de La Sorbonne. Ousado, ele foi me tocando pelas pernas, ainda de fora pela saia esvoaçante em homenagem às altas temperaturas. Depois, ele me pegou de supetão pela frente. Agarrou-me com seu abraço de ventania e cobriu meu cabelo de folhas amarelas. Eu sorri. Meu músculo cardíaco disparou. Fechei os olhos e disse-lhe “Como eu estava com saudades de você!”

Sem cerimônia, ele marcou seu território, estimulando meus cinco sentidos. Arrepiada, dei-lhe as mãos e lhe prometi: andarei feliz ao teu lado, até o fim do mês de dezembro, meu amado outono.

 

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