Namorar

Oficialmente, há no mundo mais de 3 mil diferentes línguas. E se contarmos os dialetos ou as erradicadas, chega-se a 7 mil. Eu falo mal e porcamente três, portanto, seria uma pretensão muito grande dizer qual idioma é o melhor. Em compensação, me atrevo a evocar a riqueza do português para expressar, com sutileza, certos significados mundanos.

Embora já bem batida, não há como não lembrar da palavra saudade. Existente apenas na língua portuguesa, o vocábulo expressa um sentimento que, ao menos nas línguas que conheço, é traduzido por verbos. Na língua de Camões e Pessoa, a angústia ou a dor contínua de estar longe de lugares, coisas ou pessoas amadas ganha uma conotação positiva através de um substantivo capaz de conter a síntese de um sentimento que conforta.

Em algumas línguas, como o francês, há quem insista em traduzir como nostalgia. Sinto muito, mas a gente não chega para um amigo distante e diz “estou com nostalgia de você”. Então, argumento derrubado, nos contentamos em dizer “sinto falta de você”. “Manquer” e “Miss” fazem as honras verbais de nossa saudade singela, respectivamente em francês e inglês.

Porém, entre os verbetes contidos no Dicionário Aurélio, tenho outras saudades além da saudade. Na hora de escolher a palavra mais certa, esbarro sempre na falta que o verbo namorar me faz. Namorar engloba todas as situações envolvidas no ato do amor erótico. E digo amor erótico apenas para diferenciá-lo do amor fraternal – entre pais e filhos, irmãos, amigos – no qual não cabe a atração física.

Lembro-me bem de uma entrevista de emprego. Eu estava indo bem, contando minhas experiências profissionais, quando o diretor da área, com um ar de quem queria quebrar a formalidade excessiva e me pegar de surpresa, perguntou. “E fora do trabalho, o que você mais gosta de fazer na vida?”. Eu estava namorando há menos de um ano aquele que viria a se tornar meu marido, então, apaixonada, respondi sem pestanejar: “namorar”.

A cara de surpresa dos dois executivos que conduziam a entrevista foi indescritível. Mas o mesmo que fez a pergunta me respondeu . “Parabéns pela sinceridade. Não tem mesmo melhor coisa na vida, não é?”. E a entrevista acabou ali, com sorrisos, apertos de mão e um “está contratada” em tempo real.

Fizeram para mim a mesmo pergunta em uma entrevista de emprego aqui em Paris e eu não tive como responder. Fazer amor, paquerar, seduzir, aproveitar e tantas outras que vieram à mente, nenhuma, nenhuma palavra mesmo em francês seria condizente com a sutileza que a formalidade da situação exigia. Para continuar sendo sincera, tive que responder uma frase enorme, que nem representa bem o que penso sobre namorar, mas que dizia mais ou menos assim “vivenciar uma relação amorosa na qual o sentimento seja correspondido”.

Também surpreendi, também fui contratada mas não foi a mesma coisa. Namorar é mais amplo. Mesmo para o sexo casual podemos usar o verbo desta língua tão rica. Namorar pode ser aquela relação séria, mas sem o peso de um noivado ou casamento. Namorar também pode ser simplesmente o ato de intimidade entre duas pessoas atraídas uma pela outra.

Dizer “aqui em Paris, quando não estou estudando ou trabalhando, é porque estou namorando” é muito mais simples, sutil, amplo. Não consegui a mais pura tradução em outras línguas. E muito mais certeira também. Porque namorar engloba do beijo na boca ao sexo, sem necessariamente conter os dois. Assim como pode ser somente sentar no banco da praça, de mãos dadas, e olhar a Torre Eiffel piscar.

Tem gente casada que deixa de namorar. Tem quem goste de namorar, mas não queira casar. E para uma cidade conhecida como uma das mais românticas do mundo, Paris fica devendo uma palavra como namorar, que, pela minha ousada definição, nada mais é do que o ato de botar o amor em prática…

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