Volta às aulas

Voltei a estudar. Não um curso informal, ou algo como uma língua ou piano (aliás, um sonho). Voltei à universidade. E não para fazer mestrado ou doutorado ou PhD, talvez mais condizentes com minha faixa etária. Voltei à sala de aula para uma licenciatura.

A última vivência de caloura aconteceu em 1989. Agora, 28 anos depois, a menina de 19 aos, que desde os 13 anos já queria ser jornalista, veio me visitar com seu friozinho na barriga e uma insegurança com a qual a mulher de agora, perto dos 50, já não está mais tão familiarizada.

Claro, os receios hoje são outros. Darei conta de fazer provas em outra língua? Conseguirei aprender e tirar boas notas para conseguir o diploma? Terei energia para ir diariamente ao Campus, cursar 10 matérias distintas e ainda dar conta do trabalho e da sobrevivência?

Todas essas questões e dezenas de outras me atormentavam a alma na segunda-feira gelada, do meu primeiro dia de aula como aluna da Sorbonne. Sor-bon-ne. Fico saboreando sozinha as sílabas.

Entrar na Sorbonne não é fácil. Ao menos eu tentei duas vezes antes de conseguir. Muita gente vem estudar aqui em Paris, mas não é na Sorbonne. São faculdades excelentes também, mas dissidências da Sorbonne justamente porque quebraram essa coisa de universidade elitista.

Nessas outras universidades tem um monte de gente de fora, aquele clima de diversidade bacana, os pobres inseridos e batalhando por uma vida melhor. A realidade é que a Sorbonne até já se abriu um pouco, mas ainda é elitista. Eu ouvi da diretora “temos um nome a zelar, não podemos aceitar alunos que não vão acompanhar a grade curricular”.

Eu não sei se vocês entendem, não quero parecer a imigrante que se acha elite, mas eu já  senti um certo desdém quando eu dizia, no Brasil, que estudei na Gama Filho. O mundo do jornalismo no Rio, por exemplo, abre as portas das Redações basicamente pra estudantes da UFRJ, UFF e PUC. Vi isso nas empresas por onde passei.

Precisei com frequência “me provar” no trabalho, porque entrava nos lugares sem o network feito na Universidade – e com o estigma de ter estudado numa universidade que não era da elite. Agora resolvi experimentar uma instituição com chancela reconhecida mundialmente. A comprovar.

Os quase 20 anos de ausência de uma vida acadêmica formal já exacerbam algumas mudanças drásticas. Para comecar, ninguém mais usa caderno. Tablets, MacAir ou notebook de 13 polegadas são unanimidade (eu mesma vou de tablet). E o silêncio enquanto o professor fala (isso é uma diferença abissal em relação às salas de aula brasileiras) só é quebrado pelo “tec, tec, tec” da digitação nos teclados.

Os professores têm, média, 30 anos, provando que a carreira acadêmica virou a opção de muitos jovens: saem da licenciatura e emendam mestrado e doutorado, sem terem encarado um mercado de trabalho, talvez justamente porque este “mercado de trabalho” não os absorva mais.

Claro que há exceções. Por isso, três vezes já aconteceu de eu entrar  na sala e se fazer silêncio. Acharam que eu era a professora. Aí eu sento numa carteira e demora uns segundos para tudo voltar ao normal.

Num outro dia, estava na porta, esperando para entrar na sala, e veio uma menina já me perguntando umas coisas e eu lhe disse “Poxa, desculpa, não sei. Acho melhor você falar com a professora”. Aí ela arregalou o olho e mandou “a senhora não é a professora?”.

Mas a sede de conhecimento da juventude, essa parece não ter mudado. Numa aula de antropologia social, propus um tema relacionado ao Brasil e teve ‘briga’ de colegas para ficarem no meu grupo. No fim da aula, uns 10 jovens, com idade para serem meus filhos, me rodeavam perguntando uma série de coisas sobre minha experiência como jornalista no Rio.

Sinto uma emoção inexplicável  e uma gratidão fora do comum a cada dia da minha vida de “re-estudante” universitária.

Porque essa rotina inesperada, bem  no outono da vida, é a prova de que o tempo da gente é o tempo em que estamos vivos. Quando decidi deixar minha Pátria Amada, meu sonho era morar em Paris, viver de escrever e casar com um padeiro francês.

As desilusões amorosas me fizeram acordar da terceira opção e troquei o desejo  do casamento por “estudar na Sorbonne”. Check para todos os sonhos realizados.

Por enquanto, entre  o Tratado da Alma, de Aristóteles e Os Fundamentos da Metafísica dos Costumes, de Kant, segue a lua de mel com a rotina de estudante. Dos padeiros franceses, agora só quero a baguete. E na hora da merenda…

 

 

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1 comentário

  1. Ô delícia. Ler isso hoje, após dias pensando numa possibilidade de retornar aos estudos formais (porque nos informais, do dia-a-dia, não deixamos nunca, né?), foi muito bom. Uma sinal do universo, será? Acredito nessas coisas assim, às vezes… Depois te conto.
    Ah! Sorbonne, hein? Razô. E como diria a mais nova filósofa brasileira contemporânea: já que é pra tombar…!
    Beijos saudosos.