Francês e inglês

Por circunstâncias da vida profissional e pessoal, tenho falado muito inglês ultimamente. E tem sido muito bom perceber como, no caso do inglês, é praticamente como andar de bicicleta: dou umas cambaleadas no início, depois vou em frente na maior segurança.

E isso já é uma façanha e tanto, porque tentar manter o inglês em dia morando na França não é das tarefas mais fáceis. Claro que encontramos gente fluente em outras línguas, principalmente jovens. Mas na minha faixa-etária, pode ter o nível mais alto de estudos ou posição profissional que for, o inglês passa longe.

Francês é reconhecido na Europa inteira como um povo que só fala o seu próprio idioma. Essa é a regra, confirmada por algumas exceções. E quando resolvem falar inglês, minha Notre Dame! Mesmo quem não entende uma palavra em francês prefere ouvi-los na língua mãe. A origem latina ainda pode salva o entendimento da comunicação, já a pronúncia do inglês…

A cada entortada na língua de um francês para dar o som correto do “th”, um esquilo morre no Central Park. Sem contar a tremenda incapacidade de reconhecer um som para a letra “h”. Happy hour, por exemplo, é dito “api-ú”. Isso mesmo, senhores, os descendentes dos gauleses pronunciam as palavras com a fonética francesa!! Se a letra h não se pronuncia, e “o + u” tem som de “ú”, voilà! Bora se encontrar num “api-ú”. E os nomes de artistas? Se falar Scarlett Johansson à moda anglo-saxônica, pode se preparar para alguns minutos até saberem quem é.

O mais curioso é que são useiros e vezeiros em corrigir quem fala sua língua de forma errada. No começo isso me chateava bastante, agora acho até graça. Já passei por situações bem engraçadas aqui. Logo no terceiro dia da minha chegada a Paris, por exemplo, conheci um moço com quem comecei a andar de braços dados. Eu mal falava “bonjour”, mas ele, empolgado, garantiu-me saber falar inglês.

Passadas algumas semanas, percebi o quanto aquilo que para ele era falar inglês, para mim era a versão francesa de uma dublagem do Tarzan.Mas a linguagem do amor resistia e fomos seguindo em frente. Ele me corrigindo o tempo todo quando eu ensaiava falar francês, eu tentando entendê-lo na sua versão do idioma de Shakespeare. Até um dia que fui cozinhar na casa dele. Eu adoro cozinhar e estava feliz da vida espremendo um alho, quando o filho da pátria entrou na cozinha. Pegou um vinho, abriu, serviu-me uma taça e fez a pergunta fatídica:

– Tu as besoin que je t’aide?

Minhas duas semanas no curso de francês ainda não eram suficientes e a singela pergunta me soava como uma declamação de Baudelaire na língua original. Perguntei, curiosa e ansiosa, o que seria “aide”. Foi nessa hora que o francês bilíngue mostrou toda sua fluência anglo-saxã e me respondeu.

– Élp.

Vendo minha cara de ponto de interrogação, repetiu, já sem paciência:

– Élp. Aider é o mesmo que “to élp” em inglês.

Eu disse-lhe, então, muito humildemente, que não sabia o que seria “elp” em inglês. Foi quando o Tarzan do 17ème arrondissement resolveu fazer uma demonstração mais prática. Eu tomava um gole de vinho quando ele, após duas bufadas, começou a cantar uma conhecida canção dos Beatles:

-Élp! (sic) I need somebody
Élp! (sic) Not just anybody
Élp! (sic) You know I need someone
Ééééééééééélp! (sic)

A gargalhada veio incontrolável e o vinho foi parar na camisa do rapaz. Ri de chorar durante pelo menos 15 minutos sem conseguir parar. E, às gargalhadas, ainda fiz o chiste (em inglês, obviamente)

– John Lennon está se revirando no túmulo com a sua pronúncia de help!

Nem é preciso dizer que ali a paixão desandou. Mas assim é a vida: perde-se o namorado, salva-se o inglês.

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