Rapsódia do exílio voluntário

Mais um ano de exílio. Há exatamente três anos, atravessei um oceano munida de duas malas, uma mochila e um passaporte europeu, uma espécie de  permissão para ‘lavar privada’ de forma legalizada. O que me trouxe até aqui, nem eu sei explicar bem. Talvez apenas uma vontade de experimentar ser estrangeira e ver o que isso traz de dor e de delícia. Ou uma necessidade de fazer o caminho inverso de meus antepassados…

Todos os dias lembro-me de meu avô paterno, que sequer conheci. Fico imaginando suas dificuldades e encantamentos ao desembarcar em terras tão distantes de seu berço. Meu avô nunca voltou a Portugal. Nem para visitar. O coração aperta ao pensar nisso. Não por medo de acontecer o mesmo comigo, mas pela ideia de isso não ser algo tão abstrato.

Sinto-me, hoje, capaz de nunca mais voltar ao Brasil. Porque da Pátria Amada, sinto falta das pessoas. E de algumas pequenas coisas como sabão de coco, talco da Granado e cachorro-quente do Geneal. Ok, da explosão da torcida do Flamengo no Maracanã, do por do sol entre o Morro Dois Irmãos, em Ipanema. e dos fogos de Réveillon na Praia de Copacabana também.

Mas eu vivi tão intensamente tudo isso quando morei por lá que fica uma sensação de dever cumprido. Há outras coisas no mundo além do nosso quintal.

Lembro apenas de algumas pessoas me dizendo ‘Ih, não fala francês? Prepare-se para lavar privada’. Ou ‘Ih, Paris é caro, prepare-se para morar no banlieue (subúrbio fora de Paris). E mesmo a célebre frase ‘Paris não é essa festa toda não. Após três anos, você não vai mais aguentar pegar metrô’.

No balanço destes três anos, não faço balanço. Apenas uma constatação: a nossa vida a gente traz com a gente na bagagem Por isso as experiências de expatriados são tão distintas. E por isso também aprendi a ser muito cautelosa quando me perguntam sobre ‘como é morar fora’, principalmente a quem percebo uma vontade de ‘largar tudo’ e ‘se aventurar’.

Dificuldades existem. Felicidade encontrei maior depois de ter partido. Emigrar é aprender o real sentido da frase ‘caminhante não há caminho, caminho se faz ao caminhar’. É aprender o desapego no sentido positivo da palavra. Também aprender a não dar mais importância a problemas pequenos.

Do lado de baixo do Equador, sei que muitos pensam que morar em Paris é só glamour. Ledo engano. Mas também não é ruim. Afinal, nunca morei no subúrbio, ainda aguento metrô numa boa e a única privada que precisei lavar até hoje foi da minha própria casa…

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4 comentários

  1. Gostei muito! Texto leve, verdadeiro, despretensioso e tão gostoso quanto um croissant avec café aí lait, lá no meu bairro favorito Marrais. Merci!

    1. Querido Pedro, obrigada pela leitura. Também gosto muito do seu bairro preferido. Bisous!

  2. É realmente isso mesmo. Moro em Portugal há seis anos e sei bem i que vc quis dizer. Logo, logo tb estarei morando em Paris e provavelmente conversaremos. Abs pra você e Boa Páscoa!,=O)

    1. Obrigada pela leitura, Marco. Com prazer vamos tomar um café quando estiveres por aqui!