Pandemia de vazio

Mexeu com todo mundo. Quem confinou bem ou desconfinou mal. Quem perdeu um amor para o vírus ou viu o ser amado se recuperar. Quem se separou ou se reconciliou. Quem produziu mais ou procrastinou a vida. Quem entendeu tudo ou não compreendeu nada. Quem lavou as mãos à desigualdade ou quem as sujou com o sangue pútrido dos conceitos desumanos.

A única unanimidade da primeira pandemia do século XXI é essa: todos fomos afetados.

De uma maneira ou outra. Direta ou indiretamente. Até aqui, filosofia de comptoir de bistrô – para ser chique e não dizer “filosofia de botequim”.

Não trago novidades. Aliás, nunca as trouxe. Sou a mais crua representação do lugar-comum no planeta Terra. Lugar-comum, clichê, mesmice, norma, enfim, essa variedade de nomes dado a um habitante da alma humana, tão hábil na tarefa de insistir em transformar indivíduos em representações pasteurizadas de sua própria identidade. 

Fracassamos nisso, admitamos. Ninguém consegue viver bem e alegre correndo o tempo todo em busca daquilo que é tão distante de nós mesmos. Mas a gente insiste. Lembro de uma música cuja a letra foi composta por Herbert Viana. Na minha adolescência era um hit.

Dizia que pra ser responsável, cidadão convicto, burguês padrão você tinha que passar no vestibular. Troquemos o vestibular por casar, ter filhos (mesmo se precisar comprá-los em laboraríeis), ter uma horda de serviçais (incluindo os entregadores e motoristas de aplicativo), carro, casa, apartamento e um emprego de carteira assinada, de preferência numa empresa bem poluidora.

Cumprindo essas demandas, cairemos na mesmice da roda-viva de anseios da classe média no mundo a fora. 

É preciso enquadrar-se. Caso contrário, saia da roda. 

Mas aí a gente é atropelado pelo incontrolável. E, ora veja, a vida vem exigir justamente uma adaptações ao diferente. E isso a gente não aguenta.

Porque virado de cabeça pra baixo é até possível andar, mas não é fácil caminhar plantando bananeira. Afinal, estamos na constante busca em manter os pés no chão.

E esses devaneios acometem-me durante  uma viagem no metrô parisiense. Linha 10. Às 9:00 da manhã. Vagões vazios. É a primeira vez no metrô após 5 meses. 

E como o poema “Ode ao escafandrista“, de Pablo Neruda ( se não o conhece, busque-o) sou outra pessoa na transição dessa Paris mascarada. 

 E além da possibilidade de ver somente os olhos de quem viaja comigo, a única novidade do novo velho mundo é que o trem e a plataforma estão limpos. 

E eu sonho com um mundo sem ratos.

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