A ponte NY – Paris

Em abril de 2013, parti de férias à cidade que nunca dorme. Lá pisando, fui gradativamente desfrutando de sensações, como qualquer viajante um pouco atento. Nova York não me assustou e nem se assanhou pra mim. Apenas foi ela mesma e respeitou quem sou. No que não pôde me atender, mostrou-me outras opções – tão boas ou até melhores do que eu planejava.  

Não foi arrogante e também não me deixou segura demais, foi natural e não teve medo de mostrar suas limitações, porque sabe que não precisa se provar. Porque sabe ser o que é –  e isso é uma qualidade rara. Nova York, diferente de Paris ou Londres, não me arrebatou e nem me deixou apaixonada, tremendo nas bases ou boquiaberta logo de cara.

Nova York conduziu-me suavemente para dentro dela e, numa progressão, foi deixando-me cada vez mais envolvida. Na minha primeira  vez na cidade, também primeira vez nos EUA, me senti bem, calma e sem aquela idealização que tantos outros lugares incríveis onde já pisei no mundo me causaram. 

Pensando em tudo isso, pressenti ser o começo de uma grande cumplicidade. Afinal, acredito ser assim, suavemente e surpreendentemente, que acontecem os grandes amores…

Seis anos depois, uma certa rede social trouxe-me como lembrança esta visita, através de uma foto tirada em cima de um dos arranha-céus da cidade. Lembro desse momento como se fosse esse minuto, aqui e agora. 

 Foi lá no topo da Rockefeller Tower.  Dei-me conta lá em cima, sentindo o vento de um início de primavera, do sentimento despertado por Nova York: simplesmente amor.( Não fica com ciúme, não, Paris. Eu amei Nova York, mas com quem decidi ficar? Estou aqui, estamos juntas há 5 anos, deixa de ser boba, vai…)

O mais curioso desta lembrança trazida pelo algoritmo é uma constatação quase besta, de tão óbvia:  a minha vida de hoje é simplesmente o futuro daquela ocasião ainda tão viva na memória. 

Mas durante o momento exato  no qual experimentamos um acontecimento, nem nos damos conta. Dificilmente pensamos “vou lembrar disso pra sempre” e muito menos elaboramos qualquer ideia de como estaremos no futuro, caso lembremos deste episódio banal de hoje. Sim, esse mesmo que está ocorrendo agora.

Essa sua leitura desta crônica, por exemplo: quem garante se ficará armazenada em algum lugar do seu campo cerebral? Talvez ela lhe traga lembranças de outras viagens. Talvez você encerre a leitura no meio. Ou, por que não, ela pode levar você a querer se imaginar daqui a cinco anos. Quando se verá recapitulando ter lido uma “bobagem qualquer para se distrair em um domingo” e, surpreendentemente, virá à tona vivamente uma sensação já tão longínqua. 

E essa brincadeira metafísica, de olhar o dia de hoje com a perspectiva de um momento marcante no passado, sempre me fascina. 

Divirto-me imaginando eu chegando lá naquele tempo e espaço do passado e encontrando a Eu de seis anos atrás. A Eu de hoje a olharia e a acharia mais bonita, mais jovem, mais magra. Saberia que a dor de uma separação vivida naquele instante seria motivo de piada hoje. E, então, minha Eu atual lhe diria

-Oi, tudo bem? Deixa eu te falar uma coisa: Nova York vai te empurrar para morar em Paris

A minha Eu do passado, dando uma gargalhada, provavelmente responderia:

-É mesmo? Ótima notícia! Mas não me conta mais detalhes, não. Para não estragar a surpresa.

A minha Eu de hoje voltearia ao seu lugar no futuro, com a leveza do dever cumprido.  Ou, quem sabe, esse diálogo entre a Eu de ontem e a de hoje não teria, de fato, ocorrido? De uma forma etérea, talvez. Pourquoi pas?

Colocando o pé no freio dos  devaneios, minhas lembranças me levam a uma frase de  Saramago, do livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” :  “…dizemos ‘foi ontem’, e é o mesmo que dizermos, ‘foi há mil anos’, o tempo não é uma corda que se possa medir nó a nó, o tempo é uma superfície oblíqua e ondulante que

só a memória é capaz de mover e aproximar”.

E na minha corda particular, a ondulação tempo, espaço e memória embaralham-se em aproximações e distanciamentos. Tentando resgatar em qual momento exato decidi sair da minha cidade natal, do país de origem, me perco numa lista racional quase infinita.

Mas no fim das contas, constato ter sido  naquela viagem a um lugar distante da origem de ontem e do destino hoje, o local onde foi plantada a semente, que um ano depois germinaria na mais importante decisão de vida da minha história medíocre.

E como nada de cartesiano há nessa constatação, resta-me apropriar-me da licença poética para afirmar: a distância mais curta para se chegar à torre Eiffel muitas vezes é apenas atravessar a Brooklin Bridge.

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