E nao é que a neve existe?

“Seca-neve” foi o apelido carinhoso ganho por mim no último Natal. Com um pedaço da família na Polônia, parte dos entes queridos teve a boa ideia de passar a data no frio e fomos para a casa do primo expatriado na Cracóvia. Como só pude ir em cima da hora por questões de trabalho, ainda em Paris recebia as fotos de quem chegou antes: os flocos caindo do céu e o tapete branco formado no chão faziam a alegria dos parentes nascidos dos trópicos.

Eu nunca tinha visto neve na vida. Já estive na Suíça no inverno, na Rússia em outubro, em Santa Catarina em agosto e até na Finlândia no outono. A Polônia, em pleno dezembro, não iria decepcionar-me. Ledo engano.

Antes de partir, visitei um casal de amigos franceses e escutei “Poxa, se você não vir por lá, aí não vai mais acreditar que a neve existe”. Rimos e nos despedimos com a certeza de que cumpriria um dos objetivos de vida ainda naquele ano.

Mas ao chegar no aeroporto João Paulo II, o céu estrelado já era o presságio de um 24 de dezembro atípico. “Nossa, incrível. Até ontem nevou de cobrir tudo”, disse-me o primo depois do abraço de boas-vindas. Cadê a neve? Não teve na Polônia neste Natal.

A família, solidária, providenciou uma ida às montanhas. Duas horas na estrada até a fronteira com a Eslovénia. Chegamos lá e um sol belíssimo derretia os últimos vestígios da brancura glacial e ainda me levou a um tombo histórico. Ou seja, conheci o tal de “verglas”, a camada de gelo perigosamente escorregadia que cobre ruas e calçadas quando a neve começa a derreter, sem ver um mísero floco branco cair do céu.

Pronto, definitivamente, neve é uma criação do capitalismo para vender casacos antitérmicos e pacotes para estações de ski, descontraía-me com piadas em meio à família. Voltei triste para Paris, onde é muito mais provável chover que nevar. Mas quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pela meteorologia?

Uma surpresa estava reservada para este inverno de 2018. Caprichosa garota, a Cidade Luz resolveu mostrar ao mundo que nem só de rio Sena transbordando, mau cheiro no metrô e roedores fugindo das cheias ela seria lembrada na retrospectiva anual.

Para a felicidade de moradores e turistas, Paris trocou a chuva pela neve e a vila dos sonhos de tanta gente ganhou um cenário idílico impossível de descrever em palavras. As fotos todos já devem ter visto em muitos lugares, mas estar ao vivo é como um transporte a uma outra dimensão.

A neve pintou Paris como um quadro impressionista, distinto do habitual, porque esse fenômeno meteorológico faz o trânsito parar, as pessoas evitarem os carros e as crianças deslumbrarem-se. A neve traz paz porque as camadas da nevasca amortizam os ruídos. A neve convida à contemplação e todos parecem aceitar a ideia. E quando ela vai embora, fica um vazio e a lama escorregadia. E a saudade de uma das mais belas visões que os olhos privilegiados tiveram a oportunidade de enxergar.

Eu nunca vi nada mais bonito na vida. E ao tomar pela quantidade de fotos compartilhadas nas redes sociais pelos brasileiros que aqui estão, nada me resta além de propor a campanha: volta, neve!

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1 comentário

  1. Aconteceu comigo em dez/16. Fui Paris e Berlim ver a neve que prometia vir com tudo. Fez frio mas a neve não se mostrou para meus olhos ávidos e sonhadores. Continuo com essa esperanca de um dia ver a neve…