Feliz além do ano que vem

A dualidade fim e começo compõe a carga genética do dia 31 de dezembro no mundo ocidental. Somos seres sociais e sociáveis, portanto, poucos são aqueles que realmente conseguem passar pela data imunes a qualquer ritual.

Claro, existem os discursos. Todos nós já ouvimos coisas como: “É um dia como outro qualquer”. “Vestir-se de branco não vai adiantar nada”. “Nunca conheci um rico que comesse lentilha na ceia de fim de ano”.

O discurso racional é verdadeiro, nem discuto isso. Porém, há mais retórica do que realmente convicção nestas palavras, normalmente proferidas pelos reis do estraga-prazeres da vida em sociedade. A grande maioria dos seres humanos quer comemorar a data, brindar, pular ondinhas, ver as luzes da Torre Eiffel piscarem à meia-noite. De preferência entre gente querida.

Eu já passei Réveillon sozinha. Acompanhada apenas do amor. Também, por motivos profissionais, já passei algumas viradas de ano longe da família, amores, amigos. E não estava sozinha. Tem muita gente trabalhando neste dia.

Talvez tenha tido sorte. Nas empresas onde trabalhei ofereciam ceia e em todos meus plantões de fim de ano houve contagem regressiva, estouro de champagne e abraços – ou até algumas lágrimas – entre colegas, muitas vezes distantes no dia a dia, segregados em editorias distintas, mas unidos pelas coberturas nos plantões de dias festivos – nos quais quem cobre esporte vira expert em tsunami em frações de segundos.

Voltando ao Réveillon, vejo os grupos em festa nas ruas de Paris cumprimentando os guardas, seguranças, porteiros, garçons de restaurante, condutores de ônibus ou metrô. Como no estouro da arquibancada do Maracanã na hora do gol, todo mundo se abraça.

Não adianta querer esconder de nós mesmos: o dia 31 de dezembro está longe de ser um dia qualquer. É o dia no qual as esperanças se renovam e tiramos 24 horas para deixar as agruras de lado e conjugar um verbo por vezes esquecido: acreditar.

Acreditar que o novo ano será melhor. Acreditar que vamos ter saúde. Que vamos encontrar o amor ou o trabalho que tanto nos têm feito falta. A esperança é o combustível aditivado da vida, capaz de nos fazer despertar todas as manhãs e encarar nossas faltas sem quebrar.

E para garantir um ano realmente bom, que tal fazermos dos 365 novos dias a partir de amanhã um dia 31 de dezembro eterno? Acordar pela manhã dispostos a realizarmos a vida em sua plenitude. Amando estar vivo e mostrando isso.

Deixo meu voto de feliz 2018 com um belo poema de Vicente de Carvalho que se chama “Felicidade”.

Em 2018, façamos, portanto, diferente: tragamos a felicidade para perto, seja em Paris, seja em qualquer lugar, mas sempre aqui e agora. Nunca a postergando para o ano que vem.

Felicidade, por Vicente de Carvalho

Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

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