Aeroporto

Se não me falha a memória, a primeira vez que fui a um aeroporto eu devia ter uns 5 anos. Após um almoço com a família no Porcão da Ilha do Governador, um clássico do rodízio de carne dos anos 1970 no Rio de Janeiro, meu pai apontou para um descampado enquanto dirigia seu fusca azul e fumava “Olhem lá o Aeroporto do Galeão!”. As três crianças excitadíssimas foram enfim levadas a verem os aviões de perto.

Não iríamos buscar ninguém e muito menos levar alguém para uma viagem internacional. Não existia empresas de avião low coast e, no subúrbio carioca do Engenho Novo, os poucos que viajavam de avião o faziam a trabalho. Mas meus pais talvez tivessem achado importante mostrar aos filhos um lugar tão icônico.

Nunca vou esquecer a visão de várias naves dispostas lado a lado na pista. Os símbolos da Varig, Vasp, Transbrasil, entre outras, faziam meu cérebro em formação conectar as logomarcas às inúmeras propagandas de TV, ainda em preto e branco, e encantavam meus olhos com os símbolos coloridos na fuselagem.

Lembro-me bem também o quanto fiquei impressionada com o tamanho dos aviões. Não os imaginava tão grandes quando os via no céu, como pontos luminosos em movimento. Também lembro-me do deslumbramento com os corredores do aeroporto. Uma assepsia com cara de luxo e aquela voz da Íris Letieri embalando meus ouvidos. (Curioso que durante minha vida inteira minha voz grave foi elogiada através de uma brincadeira: “você tem voz de aeroporto!”).

As pessoas que por ali circulavam eram bem-vestidas. Fossem os passageiros, fossem os tripulantes desfilando glamour em seus uniformes impecáveis. Uma visão apolínea, uma estética de fato diferente do meu mundo usual. Mas a semente estava plantada. Aliás, isso minha mãe soube fazer muito bem: levar-nos de vez em quando a lugares distantes de nossa realidade do dia a dia, para que nunca nos sentíssemos peixe fora d’água onde quer que estivéssemos.

Ampliar os horizontes e saber se comportar seja num pagode na comunidade, seja numa festa de gala. Isso foi parar no meu DNA e, acredito, nunca mais sairá. Hoje aeroporto virou um lugar mais acessível e democrático, sem aquele estigma elitista. Tanto que hoje estou aqui, em pleno Charles de Gaulle, à espera de mais um voo dentre muitos outros dos quais já perdi a conta.

Tantos pontos ligados por aeronaves em caminhos nada retos. Tantas histórias e descobertas em geografias distintas. Tantas milhagens de riso ou choro entre abraços de chegada e partida. Tanta bagagem extraviada pela saudade de uma vida pontuada entre check in e check out emocionais.

Neste domingo de Natal, o aeroporto virou, para mim, uma metáfora da vida: entre o embarque e o desembarque, convém aproveitar a viagem. Desejo, portanto, que nossos aviões sempre cheguem aos destinos certos, sem atrasos. E quando por acaso perdemos a conexão, que novos voos nos levem sempre, como disse Saramago, “ao sítio aonde nos esperam”.

Feliz Natal.

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