Dona Mãe e Madame Convenção

— Lá vem você – diz Dona Mãe visivelmente irritada.

— Até parece que não sabia da minha visita – disse Madame Convenção já tirando os sapatos e lavando as mãos, antes de adentrar na casa.

— Saber eu sabia, só ninguém me perguntou se eu queria recebê-la…

— Ai, Dona Mãe, chega de drama, vai. Agora vai dizer que não queria presente, nem homenagem, que tudo que você queria era respeito, que seus filhos te escutassem mais e blá blá blá…

–Ainda por cima é debochada…

— Own, vem cá minha dona mamãezinha birrenta… – fala Madame Convenção em voz de tatibitate, aproximando-de para apertar as bochechas de Dona Mãe.

— Sai pra lá, você fica um ano sem aparecer e acha que tenho que te receber com pompa e circunstância?

— Mas Dona Mãe, eu tenho um monte de outras tarefas. É Natal, Dia dos Pais, Dia das Crianças, dos Namorados e agora já inventaram de comemorar Halloween e até Dia do Amigo! Tá puxado pro meu lado!

— É sempre a desculpa do excesso de trabalho. Olha, estou te desonerando, tá? Por mim pode tirar o meu dia da tua lista…

— Ah. Já sei. Vai dizer que esse dia só te traz mais estresse. Porque ou é você que se mata na cozinha pra preparar o almoço, ou tem que se arrumar toda pra ir pra fila de restaurante que você nem gosta etc etc etc. E, claro, hoje você vai reclamar que nem abraçar seus filhos e netos vão poder porque está confinada em casa por causa da pandemia…

— E você vai dizer que estou errada? – responde Dona Mãe com um bico maior que o do Pato Donald, de tão emburrada.

— Dona Mãe, vamos lá, eu sei que dizem que eu criei seu dia como jogada de marketing, somente pra aumentar a venda de batedeira nos Estados-Unidos do pós-guerra. Mas não é absolutamente verdade, sabia? Tem origens lá na Grécia antiga, numas festividades para a deusa da fertilidade.

Dona Mãe faz uma cara de surpresa disfarçada. Dona Convenção continua:

— Então, me absolve, vai! – suplica Madame Convenção.

— Mas é porque me incomoda essa história de mitificar a gente, sabe? Tem umas aí que nem estão aí para os filhos, tem umas que jogam fora, sabia? E a gente nem sempre tem razão, erra pacas, acerta quando nem achava que era o certo, ninguém nos ensina nada. E hoje em dia já tem dois homens, unidos por um amor muito mais bonito que muito casal formado por homem e mulher, criando crianças melhor que eu. Não quero esse peso de perfeição, de dar colo, atenção. Sou humana, raios! Quem vai me dar colo, carrinho, atenção? Foi só cobrança, viu? De mim mesma a maior parte do tempo, assumo. Por isso é duro aceitar “Madame Convenção” todo segundo domingo de maio batendo à minha porta… – desabafa Dona Mãe.

Madame Convenção aproxima-se delicadamente, dá um abraço em Dona Mãe já em soluços.

— Talvez seja esse o meu papel, Dona Mãe. Vir a cada ano pra lembrar que ser mãe é apenas ser. O resto é aprendizado contínuo. Aceita essa convenção, vai? Aceita as homenagens, os perrengues, as ausências sentidas ou as presenças excessivas. Eu só existo para fazer a vida em sociedade ter mais graça. Afinal, sem mim, teríamos menos motivos para comemorar. E menos regras para quebrar…

As duas sorriram. Não podiam se abraçar, mas foram abrir um vinho para ligar o zoom e receber os convidados para o Dia das Mães.

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