Sobre as pessoas

As pessoas são um tipo de “entidade”. Muito mais que um substantivo feminino no plural precedido por artigo definido. Funciona mais ou menos assim: a usamos quando queremos culpar os outros por algo sobre o qual nós não compactuamos, mas sem nos darmos conta que somos « as pessoas » do discurso do vizinho. Para dizer de forma poética, peço a benção de Saramago: « nós somos o outro do outro ».

E comecei assim porque nem ia falar de pandemia … mas « as pessoas ». Ah, “as pessoas”… elas não me deixam falar de outra coisa. Ontem, Sábado de Aleluia para os cristãos, a meteorologia indicava 25 graus na capital francesa. Foi um dia ensolarado, véspera de Páscoa,  numa Paris confinada por ordem do Estado. E, obviamente, « deu ruim », como se diz lá no Rio de Janeiro.

Os jornais ainda não têm os dados oficiais, mas estima-se ter sido o dia com maior afluência de pessoas nas ruas, mercados e afins desde o início do decreto de confinamento.

Eu, quetinha no alto do meu estúdio mínimo, onde ao menos há uma varanda com sol, fico a pensar no estado mínimo pregado pelo atual governo daqui e na força do Estado (e talvez necessidade, quando dá, digamos, M… « As pessoas » (sempre elas) saem de casa e fazem outros sair. Mas por que, raios? Ainda não entenderam? São psicopatas? Acham que o seu problema é maior que o problema do mundo?

Somos seres emocionais e não racionais.

Aí, em meio a minhas conjecturas e como o algoritmo atualmente lê até pensamento, caiu no meu colo um artigo sobre um estudo que explica o porquê de “as pessoas” ainda insistirem em sair e fazer coisas que consideram « essenciais », como comprar ovo de Páscoa. Ou fazer outras pessoas circularem, também por coisas sem as quais poderiam viver, como pedir pizza, hambúrguer ou açaí em casa.

Antes achava que o problema de inadaptação era o Brasil. Ok, até admito que lá a barra é mais pesada, mas ter me mudado me mostrou o quando gente é gente, só muda o código postal. A ciência prova diariamente que a única raça da espécie homo sapiens é a humana. E, diferente do que imaginávamos, essa raça tem um órgão chamado cérebro funcionando através de emoções. Muito mais primitivas do que julga nossa vã filosofia.

Como minha inadequação, descobri em Paris, é com o mundo mesmo, usei meu  ascendente em extraterrestre para colocar o distanciamento necessário e aprender, à base de muita porrada, psicanálise, meditação e filosofia (exatamente nesta ordem) duas coisas aqui na Terra:

  1. Não espere que ninguém aja como você age;
  2. Devo agir como se aquilo pudesse virar uma lei universal (obrigada, Emanuel Kant) e também de acordo com o que eu mesma quero ver no mundo (obrigada Mahatma Gandhi).

Isto posto, nem sempre ajo assim, por conta dos meus genes humanos. Mas fico me policiando, vocês não têm ideia…  Por isso compartilho o texto, em link no fim da crônica. Ele explica bem a tal entidade « as pessoas ». Caso você saiba francês, leia. Caso não, eu dou um resumo. O artigo divide “as pessoas”, neste momento de pandemia especialmente, em três categorias:

1. contribuidores incondicionais: entenderam tudo e nem precisariam de ordens para ficar em casa ou entenderam somente quando as ordens vieram, mas ok, elas as cumprem;

2.contribuidores condicionais: cumprem as ordens ou as recomendações, desde que o outro também cumpra. É do tipo « ah, tá todo mundo indo pra praia, vou também »;

3.passageiros clandestinos: são aqueles cujo discurso diz achar um absurdo quem descumpre as regras, mas vai pro parque dar sua corridinha, ou vai visitar um amigo/parente, pede uma entrega de sanduba, pega o carro pra dar uma voltinha porque « não aguenta mais o confinamento », sem pensar que se faltar petróleo, ambulância não roda mais.

Então amiguinho humano, somos nós as armas nesta guerra. Uma guerra que não faz cair bombas na cabeça (o que provavelmente levaria « as pessoas » a ficarem em casa) mas tem uma bomba letal, invisível e desconhecida até pela ciência chamada COVID-19, da espécie vírus. Somos eu e você que vamos matar ou proteger. Ou morrer, mas, neste caso, beleza, menos um problema.

E aí é que eu quero ver…porque se aqui na França onde o presidente « bossa-nova-liberal » tá usando seu « Estado mínimo » pra meter o poder de mandar ficar em casa – e mesmo assim branquinho já tá descumprindo- , imagina um lugar onde o presidente é um incentivador do não-confinamento?

Vai dar ruim também. Nossa amiga neurociência taí para não me deixar mentir. A área dedicada a estudar o funcionamento do cérebro tem provado que nossa razão existe primordialmente para justificar nossas ações, essas que são movidas por nada mais que emoções. Descartes e seu racionalismo xiita estava errado, meu nobre cartesiano que me lê agora. E não sou eu quem digo.

É desde o neurocientista e médico Antônio Damásio no seu maravilhoso livro « O Erro de Descartes », depois complementado pelo não menos excelente « E o Cérebro Criou o Homem ». Mas também tem o professor no seu canal do YouTube « Neurovox », explicando, de forma acessível, razão e emoção à luz do funcionamento do cérebro.

“As pessoas”, incluindo euzinha, são seres emocionais e não racionais.

E como sei que no peito das « pessoas » (mesmo as que acreditam no terraplanismo e na ineficácia de vacinas) também bate um coração, não serei rude: você que sai de casa, que tá politizando a pandemia ou tá agindo como se ninguém estivesse olhando, conte com meu ombro virtual para consolar suas perdas. E devem ser muitas.

Só não quero ver você culpando o outro …

Segue o link do artigo da revista Cerveau & Psycho

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