Coisas universais

Vidente em Paris com nome sugestivo

Criada no Engenho Novo, um subúrbio colado ao Méier no coração da Zona Norte carioca, em tempos pré-globalização, pude perceber claramente e desde cedo o quanto o deslocamento geográfico é capaz de alterar a visão de mundo de uma criatura.

Minha mãe, sábia de uma forma quase instintiva, pois foi cria de Éden, na baixada fluminense, mas crescida em uma família que valorizava a cultura e a educação, procurou ao longo da nossa infância nos transformar em pessoas antenadas.

Uma de suas formas de nos fazer olhar o mundo além do umbigo foi promover nosso contato com pessoas e lugares fora do nosso quintal. Passeios na popular Quinta da Boa Vista aos domingos eram alternados com pique-niques no Parque da Cidade, na Gávea, onde brincávamos com filhos de artistas de TV, habitués locais.

Nas férias, valia tanto as idas a colônia de férias dos funcionários públicos do município como a hotéis-fazenda luxuosos, onde também nos misturávamos com os filhos de diplomatas ou de celebridades, mesmo com um pouco de vergonha do Fusca verde-alface do meu pai, parado no estacionamento ao lado dos Opalas, Alfa-Romeo e Corcel II, os carros dos ricos da época.

Um sábado em Ipanema tomando sorvete na Chaika tinha o mesmo sabor das visitas à parte família ainda moradora de Nilópolis ou São João de Meriti. Talvez meus pais nem tenham se dado conta, mas plantaram em mim e nos meus irmãos a seguinte crença: somos todos humanos. E, quase sempre, muito parecidos na essência.

Sem contar um outro lado bom do legado: aprender a se comportar em qualquer lugar, seja festa black-tie ou pagode na laje, com o mesmo desprendimento. À medida de nos tornarmos adultos, passamos a reproduzir isso através de viagens. Conhecer outros países consolidou essa certeza da semelhança dos seres humanos e trouxe mais uma crença: não importa a língua, os dígitos no extrato bancário, ou se faz calor ou frio: em se tratando de humanos, existem comportamentos, sensações e ideias muito mais parecidas do que julga nossa vã filosofia. Para essa soma de similaridades, eu passei a dar o nome de ‘coisas universais’.

E mesmo acreditando nisso, ainda me surpreendo ao deparar-me com esse elo de igualdade entre a dita espécie mais evoluída dos primatas. Por exemplo, esse negócio de mágica para resolver as questões primordiais da vida – como conseguir trabalho ou trazer a pessoa amada – pensei ser algo específico da minha pátria amada. Mas não, já alertara-me uma querida amiga que adora vir a Paris e passear num determinado bairro, onde há uma concentração de franceses de origem africana, só para pegar os panfletos dos “marabouts”, como são chamados na língua de Molière os poderosos guias espirituais com conexão direta aos orixás.

Vejam os senhores que, no meu caso, nem precisei me deslocar até Barbès. Incumbida de molhar as plantas e pegar as cartas na casa de amigos em férias fora da Franca, eis o que encontro na caixa de correios (vejam a foto ilustrando essa crônica). Suspirei, dei um sorriso e pensei: coisas universais. E mais: com um nome desses, alguém ousaria por em dúvida o poder do Monsieur em questão?

Vidente em Paris com nome sugestivo

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3 comentários

  1. Do Engenho Novo a Paris, trazer a pessoa amada continua a ser uma quase necessidade essencial da existência humana. E quem pode ? Fode !

    1. Muito divertida sua crônica,como as demais!!Curiosa pra saber se vc foi no Fode??

  2. Hahahaha, pois é Paulinha, lembra de Montevidéo? Pois bem, de lá também trouxe um desses panfletos. Diverti-me muito.
    Vale lembrar que na brasileiríssima Umbanda há uma entidade, um exú, que atende pelo nome de… Marabô.
    Qualquer coincidência é coisa universal”