Bonjour Paris

Querida Paris

Acabo de acordar com o pessoal lá do Rio querendo saber como estou. Aí fiquei sabendo que foste ferida outra vez com esse infortúnio humano chamado violência. É lamentável alguém tão bonita como você ser atacada na sua essência. Porque foram atingir, mais uma vez, a sua gente em pleno fim de semana, na hora do barzinho pós-teatro ou cinema. Olha, acredite, sei o quanto dói. De onde eu vim é todo dia, a cada hora, minuto talvez. É jovem, é rico, é pobre, é velho, é criança, é todo mundo vítima de assassinatos gratuitos. O que a gente faz? Ah, respira, chora, sente medo, se veste de branco em passeata, xinga os políticos, põe a culpa na desigualdade, na polícia, essas coisas típicas para acalmar a raiva e a sensação de impotência. Eu, particularmente, tenho uma estratégia própria: a cada tragédia estúpida, vou catar três boas notícias para compensar. Tipo uma campanha da Fondation de l’Armée du Salut,  que está convidando voluntários para servir café da manhã aos desabrigados de Paris. Eles vão, dão café quentinho e pão ou croissant para quem dorme na rua e precisam de gente pra distribuir. A publicidade é assim: colocaram um copo de café ao lado de estátuas de rua, com frases do tipo. “Quem passa a noite na rua merece ao menos acordar com um pouco de calor humano e café quentinho”. Achei bonita a campanha (coloquei o vídeo no final). Tem também a exposição interativa cheia de tecnologia do Klimt, no Atelier des Lumières. Coisa fina, diferente de tudo o que já se viu por aí. A terceira é a primavera, não poderia deixar de ser não é? Corri lá para o Jardin des Plantes para ver as tulipas escancaradas. A gente está acostumado a associar essa flor ao botão fechado em forma de gota d’água e nem se dá conta que elas se abrem e ficam quase iguais aos antúrios, só que com pétalas. Eu sei, eu sei, isso não tem efeito prático, não faz os mortos voltarem e nem o terror acabar. É que eu não tenho outra ideia, sabe? E talvez o mais  desanimador seja o fato de eu não ter ilusão de um dia o mal acabar. E não por não ter jeito, até há solução. Mas seria preciso despertar o pensamento crítico, reascender a essência humana. Estudando outro dia Espinosa (o filósofo holandês, não o técnico de futebol), entendi que felicidade é quando estamos mais próximos de estímulos que nos fazem bem e mais distantes do que nos faz mal. O amor, por exemplo, seria o maior conjunto desencadeador de boas sensações. Logo, quando amamos alguém, é porque ela desperta o melhor que há em nós, pois, segundo o pensador, as paixões moram em cada indivíduo. Elas são apenas despertadas por sujeitos ou objetos ou acontecimentos desencadeadores de boas ou más emoções. Faz sentido, não acha? Esse moço com a faca do sábado à noite devia ser muito infeliz. Mas de certa forma dá um conforto danado saber que a mão que faz a bomba, faz o samba (essa frase tirei de um samba enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, se não me engano de 1986). Nós, humanos, somos capazes desde os atos mais atrozes, até os mais nobres. Uma questão de escolha. Eu escolhi escrever-te esta carta hoje, Paris, porque ainda não descobri rima melhor com teu nome que a palavra feliz.

Sua admiradora de sempre, Ana Paula. 

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