Jovem Margarida

Conversando outro dia com um amigo morador de Lisboa, comentávamos o quanto gostamos de algumas marcas características das mudanças de estação na Europa. Como não temos isso de forma evidente nos trópicos, acabamos por nos regalar com os pequenos sinais da primavera estabelecendo-se. Aqui em Paris , por exemplo, há umas florzinhas roxas, encontradas em todos os lugares. Já à beira do Tejo, contou-me o amigo, há umas margaridas bem pequeninas, que brotam rasteiras enfeitando o gramado dos parques e jardins.

Pensava eu nas flores e no pólen, aqui um causador de alergias e doenças respiratórias, enquanto caminhava pela Avenida Pasteur (sim, toda cidade que se preze tem uma Avenida Pasteur), rumo a um escritório da prefeitura, onde estava marcado um horário no qual eu iria enfrentar (mais uma vez) a tentativa de resolver um problema burocrático.

Para quem vem do Brasil, burocracia é um monstro para lá de conhecido. Na França, no entanto, o entrave dos papéis é agravado por uma característica marcante da herança cartesiana: a falta de flexibilidade. Ao não nos enquadrarmos em nenhuma das opções pensadas pelos criadores de formulários, a vida vira uma saga de buscas e expiações, com direito a percurso intenso pelos “bureaux” institucionais da terra de De Gaulle.

Cheguei pontualmente em um prédio moderno para os padrões parisienses, em uma rua residencial do 15ème arrondissent. Na portaria, mostro a convocação. “Segundo andar, madame”, diz-me o recepcionista. Subi as escadas e encontro mais um balcão onde apresentei a carta novamente. O moço da segunda recepção a leu com atenção, avisou alguém pelo telefone e disse-me para aguardar na sala de espera.

Sentei. E mal havia aberto o livro que levei, já contando com a demora, ouço um sonoro “Madame Cardosô”. Olhei a pequena dama, até então com total neutralidade, e segui com ela até sua sala. Lá havia uma janela lateral coberta por todos os tipos de plantas e flores.Não resisti e comentei:
– Nossa! Que sala bonita. Adoro plantas.
Eu sabia o risco. Ser espontânea e trazer assuntos particulares em momentos profissionais aqui não é muito bem visto. A dona da sala responde:
– Também gosto muito de plantas.
Ela faz uma pausa, olha meu documento e indaga:
– Afinal, você é portuguesa ou brasileira?
– Sou os dois – respondo sem pestanejar.
A senhora a minha frente então me diz:
– Uma brasileira “roubou” meu filho.
Senti um leve tom gaiato. Então sorri e arrisquei a espontaneidade pela segunda vez.
– Eu diria que tudo é uma questão de referência. Lá no Brasil, os homens reclamam que os franceses roubam as mulheres brasileiras.

Ela riu e acabamos conversando sobre seu filho, morador atualmente da cidade paulista de Jundiaí, e sobre a espera da chegada de sua netinha, a franco-brasileirinha que vai chamar-se Lina.

Após esse pequeno preâmbulo, discutimos então sobre o objetivo fim de eu estar ali. A jovem senhora mostrou-me sua eficácia ainda maior que a simpatia. Fui orientada com atenção e cuidado, por alguém visivelmente de bem com a vida e disposta a honrar um trabalho nem sempre fácil. Saí daquela sala com a incumbência de enviar-lhe um e-mail relatando minhas questões em detalhe.

No dia seguinte, um telefonema.

– Ana Paula, bom dia. Está muito grande o e-mail. Precisamos deixar mais sucinto para quem vai ler. Você mora perto? Tive uma consulta desmarcada e se você conseguir chegar em meia hora…

Voei até o escritório dela, fizemos juntas um único parágrafo e tudo foi encaminhado para a solução do problema. Ao fim, desejei-lhe uma boa viagem ao Brasil para conhecer a neta. Ela abriu um sorriso acolhedor. Pela terceira vez, a espontaneidade venceu o medo.

– Posso lhe dar um abraço? – ousei perguntar

A resposta veio em forma de um apertado cumprimento entre os braços uma da outra.

– Muito obrigada – eu disse – desculpe a ousadia, mas a sua energia é muito boa. Acho que nunca fui tão bem tratada em uma instituição pública.

Acolhedora, ela me incentiva:.

– A sua energia também é muito boa. Seja otimista e corajosa. Nunca se deixe abater pelos problemas a enfrentar.

Saí de lá pensando como foi bom conhecer madame Marguerite Young. E logo em seguida me veio a epifania: seu nome é nada mais, nada menos que uma tradução livre de “jovem margarida”, como as pequenas flores a colorir minha primavera…

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