Viver fora é complicado

Duas décadas atrás eu tinha um “namorado firme” (há 20 anos, relacionamento sério chamava-se namoro firme). Após 2 anos juntos, fui pedida em casamento. Ele não se ajoelhou com um anel de brilhantes e nem perguntou ‘quer casar comigo?’ ao pé da Torre Eiffel numa primavera parisiense.  Tudo aconteceu num domingo nublado, num apartamento em Ipanema, onde vivíamos mãe, irmãs, sobrinha e gato. Enquanto eu olhava os classificados do Jornal do Brasil em busca de um apartamento para alugar, acreditando já ser mais que hora de morar sozinha, o moço ao meu lado sugeriu “dá uma olhada nos apartamentos para comprar”.

Eu não tinha dinheiro para comprar apartamento naquela ocasião e dei de ombros. O rapaz insistiu. “Eu tenho umas economias, deve dar para comprar um de dois quartos”. Eu me irritei um pouco e disse “Então olha você, não posso perder meu tempo procurando um imóvel no qual não vou morar”. Ele virou-se para mim e disse “Mas a ideia é você morar nele”. Eu perguntei “Você vai querer alugar para mim?”, ele riu e disse “Não, a ideia é eu morar nele contigo”.

Eu não estava fazendo jogo ou dando uma de desentendida. Tínhamos ficado um mês separados por conta de uma briga boba e aquele era o primeiro fim de semana após termos reatado. Eu só tive o ímpeto de perguntar “Você está me pedindo em casamento?” E ele não titubeou: “estou”. Da sala, gritei para minha mãe que estava em seu quarto: “Mãe,fui pedida em casamento!”. E ela apenas respondeu, lacônica, mas projetando a voz para eu escutar: “Aceita!”.

Eu e o futuro noivo rimos muito e o resto é história. Mas durante os preparativos para a grande data, lembro-me da questão de como iríamos celebrar a união. Eu não tinha religião, sequer sou batizada e meu então companheiro era espírita kardecista.

Gostaríamos, sim, de uma cerimônia, mas igreja estava fora de cogitação. Na época não existia um monte de coisas hoje usuais em casamento. Como fotografias não posadas, cinegrafistas e entrevistas aos convidados e muito menos celebrantes de casamento alternativos, como existe hoje em dia.

E como nós dois já éramos bem avançados para a ocasião, acabamos chamando um amigo, dublador, ator, com o dom da eloquência e uma das mais belas vozes do Brasil. Acontece que, já meio perto da cerimônia, ele entrou em uma turnê teatral e não era certo estar no Rio na data marcada para o casamento.

Resolvemos então procurar um pastor ecumênico. Fomos atrás do mais famosinho da cidade na época e que já fazia união de homo afetivos e casais divorciados sem problemas, mas ele estaria ocupado no dia (já estava meio em cima da hora) e recomendou um colega. Fomos ao encontro desse celebrante e lembro da cena mais marcante de minha vida em relação à compreensão de fé.

Para começar, a sala do religioso era decorada com um enorme painel de cortiça, com fotos dele ao lado de representantes dos mais diversos dogmas. De madre Teresa de Calcutá ao papa João Paulo II, de rabinos ao Dalai Lama. Mas o que mais me chamava a atenção era uma placa em sua mesa, virada para quem sentava-se de frente a ele. Lá estava escrito “Eu amo a vida e mostro isso“.

O pastor deu-nos boa tarde e, de cara, perguntou qual era nossa religião. O namorado respondeu a sua e eu, como não tinha, apontei para a frase na mesa e respondi “Acabei de descobrir a minha: é essa aqui”. O religioso abriu um largo sorriso e nos convidou a sentar. No dia das bodas, nos proporcionou uma celebração belíssima e emocionante. O casamento acabou anos depois. Mas jamais vou esquecer o aprendizado e a religião escolhida naquela sala de uma igreja evangelista de Copacabana.

E toda essa história foi só para lembrar como me incomoda escutar, ou ler, que viver fora de seu país de origem é complicado. Parece uma epidemia de quem mora longe da terra onde deu os primeiros passos. Nunca vi algo tão clichê. Afinal, saudades sentimos mesmo quando nascemos, crescemos e moramos na mesma casa até o dia da morte. Seremos alvos de incompreensões  mesmo com a vidinha mais enraizada da paróquia. Sentimentos de inadequação somos capazes de tê-los até na festa de aniversário da avó, rodeados apenas de gente da família.

Na experiência de quem já vive algum tempo longe do quintal, arrisco afirmar: o único viver fora realmente complicado é o viver fora de nós mesmos.

A vida é feita para ser amada, aqui, ali e em qualquer lugar. E se ela não está correspondendo ao seu amor no momento, o ideal é dar-lhe ainda mais amor. A danada é geniosa e se surpreende quando é tratada com carinho por quem passa por momentos difíceis. Então, querido expatriado, “inpatriado”, enfim, todo mundo. Querem descomplicar a existência? Parem de lamentar e apenas amem a vida. E mostrem isso.

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19 comentários

    1. Poeta, maravilhoso, que honra vê-lo entre meus leitores!

    2. A vida é ótima. Nós é que a complicamos. Basta ser feliz com quem está a seu lado aí a vida á boa. Goste das pessoas como elas são e não como você gostaria que elas fossem. Estas são as min
      has filosofia de vida.

  1. Adorei!!!! Concordo plenamente. Eu nao vivi fora do pais, mas fora do meu estado, mesmo casada e cm filhos, fui…levei a prole…marido depois foi…muitos me criticaram, mas na boa…foi o melhor que fiz em minha vida e para minha Familia e o mais bacana, para o nosso casamento. Agora quero que meus filhos voem pra onde quiserem e sejam felizes. Tbm “Amo a vida e mostro isso”.
    Ana realmente muito bom. Bj

    1. Lindo depoimento, Mag! És forte, ética e com esse coração imenso. Obrigada demais pela leitura e o carinho. Sigamos mostrando o amor à vida!

  2. Ainda bem que você voltou! Tava sentindo falta da crônica semanal. Muito sucesso para você e para o Crônicas de ParisTere

  3. Parabéns e que bom que vc voltou a escrever a crônica .
    Concordo pois todo dia pratico :
    VIVER A VIDA
    NÃO RECLAMAR E SIM AGRADECER OLHANDO O QUE JÁ TENHO
    OCUPAR MEU TEMPO E REALIZAR MEUS SONHOS
    APRENDER COM MEUS ERROS
    NÃO ME OBSTINAR A AGRADAR OS OUTROS E SIM SER EU MESMA
    PORQUE A VIDA É MINHA, CERTO ?
    C est ta vie à toi !!!!!

  4. Lindo . Tb sinto assim pq vejo meu filho que mora fora há 10 anos , agir dessa forma . Ame e deixe os outros amarem e viverem como bem entender. A VIDA É GRATIDÃO …..

  5. Obrigada! Não tem noção de como hoje era o que eu realmente precisava ler. E de forma ao meu ver, Perfeita!

  6. Não vivo fora do meu País, da minha Cidade é vivo a “vidinha mais enraizada da paróquia” do meu bairro.
    Não tenho sentimentos de inadequação e se sou criticada, desconheço solenemente.
    Mas concordo com gênero número e grau! O complicado é viver fora de nós mesmos, seja onde geograficamente estiver.

  7. A vida é ótima. Nós é que a complicamos. Basta ser feliz com quem está a seu lado aí a vida á boa. Goste das pessoas como elas são e não como você gostaria que elas fossem. Estas são as min
    has filosofia de vida.