Elas, as francesas

Mulheres francesas não engordam. É o que diz o título de um best seller. Isso já seria motivo suficiente para eu babar de admiração por elas. Afinal, manter a silhueta comendo baguete com manteiga, quiche lorraine e tomando vinho é um sonho. Mas ao longo da vida, andei observando outra qualidade admirável das representantes dessa nacionalidade: a garra.

Reparem na história da antiga região gaulesa. Joana D’Arc foi a primeira grande topetuda. Não quis saber dos riscos e mandou ver na Guerra dos 100 Anos. Maria Antonieta – que embora seja austríaca veio para cá aos 14 e virou símbolo da corte francesa – pode até ter sido uma alienada mas, vamos combinar, teve muita presença de espírito para mandar geral comer brioche no meio de uma revolução.

Nos aproximamos até o século XX e lá vem Coco Chanel. Criada em um orfanato, virou o ícone de uma moda revolucionária. Não só em relação à maneira de vestir, mas de todo um comportamento feminino francês – e depois mundial. Edith Piaf era pobre, tinha em torno de 1,40 m e cantava feito um rouxinol na primavera. Seus amores, intensos, transbordam em sua estonteante voz e na interpretação de suas canções.

E a Brigitte Bardot? Poderia ficar botando botox e se internando em clínicas ‘de estética’ para o resto da vida, não é mesmo? Mas a eterna musa de “E Deus criou a mulher” passou a lutar por causas ecológicas, quando ninguém ainda falava disso. Envelheceu, as más línguas a chamam de bruxa, mas ela continua com a tal ‘garra’peculiar a suas conterrâneas, defendendo suas focas e as peles dos animais, sem se importar com o que ‘os outros vão pensar’.

E tem muito mais. Vivendo entre elas, percebe-se a nobreza em não demonstrarem ciúmes doentios, ou posse, em relação a seus parceiros homens. Em festas (as chamadas soirées) é comum saírem mais cedo deixando seus maridos divertindo-se entre amigos. Ou ao contrário.

Também não enxergam as mulheres solteiras como ameaças, nem mesmo quando seu companheiro conversa animadamente com elas ou lhes serve vinho. Para quem bem de um país onde marido é commodity (como bem definiu a antropóloga Miriam Goldenberg) é surpreendente e dá gosto ver os valores de Simone de Beauvoir postos em prática.

E ainda tem a questão dos cabelos brancos. É comum mulheres francesas deixarem suas madeixas grisalhas numa elegância sem precedentes. Já sei, já sei, no Brasil também existem mulheres que deixaram as colorações de lado. Mas elas, as francesas, começaram primeiro. Desolée.

Cresci com a tendência a admirar a cultura, a história e os pequenos detalhes (que lhe dão tanto charme) da França. Filha de professora de francês, de alguma forma os valores transmitidos em minha casa foram de uma ‘mulher francesa’.

Coisas como não se contentar com o que está ruim e muito menos enjoar do que é bom. Ou reconhecer o medo, entender o quanto ele é paralisante e enfrentá-lo justamente para não ficar parada à beira do caminho.

E sobre o amor, o maior de todos os aprendizados: viver um amor apenas quando valer a pena – mas sempre intensamente. Para completar a cartilha, aprendi a apreciar o belo, o requintado e o nobre, sem esquecer jamais da liberdade, da igualdade e muito menos da fraternidade.

Hoje, tenho o privilégio de vê-las passar tão perto. Aí se enxerga também os defeitos. Muitos provenientes de traços culturais arraigados. Entre eles, a cara de tristeza, semelhante a de um ‘emoticom’ com o sorriso para baixo, o ar de enfado e os suspiros enjoadinhos.

Mas isso só me fez admirá-las ainda mais, afinal, não são deusas. Apenas semideusas dotadas de missões falíveis. A proximidade do Dia Internacional da Mulher (8 de março) me fez redescobrir as mulheres francesas nesta crônica, escrita há cerca de 10 anos. Repaginei e vos entrego neste domingo chuvoso em Paris.

Afinal, o que sempre quis ser quando crescesse é uma mulher francesa…

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4 comentários

  1. Seu texto é uma delícia e prende do início ao fim. É um passeio, como diria o meu saudoso pai. E como aprendemos com a sua visão atenta e sensível aos costumes desse belo país…

  2. Texto maravilhoso, otima leitura para um fim de tarde de inverno françes, (que logo, logo também vai ter fim)

  3. Texto cronica maravilhoso para ser lido em todas as horas e dias, principalmente, num fim de tarde de inverno(que logo, logo, também vai chegar ao fim)

    1. Nilde, muitíssimo obrigada pela leitura. O inverno nunca tarda em se tornar primavera! (provérbio budista)