Carta ao Brasil

Meu querido Brasil. 

Como vai você?

Faz tempo que não nos vemos, mas  ainda me lembro com deslumbramento do nosso último encontro. Tudo me foi dado com amor, tudo desfrutado com intensidade e prazer. Essa mesma intensidade tão peculiar sua, e que está no DNA do seu povo. 

Curioso como no tempo em que vivemos juntos eu me sentia deslocada. Perdida dentro de sua imensidão de diversidade. Mesmo te curtindo muito, tem um quê de susto a cada esquina, a cada troca de governo, a cada derrota no futebol, a cada criança perdida por bala, a cada irmão negro desqualificado, a cada mulher violentada, a cada igreja no lugar de cinema, a cada desvio de dinheiro público que tira merenda da escola, a cada árvore derrubada ou índio queimado, a cada imensa desigualdade social que ainda me faz chorar. Você sabe, essas suas agressões eu nunca tolerei. Sofri. Te deixei.

Num contexto mais vidinha burguesa, tem ainda esse negócio de não ligar pra pontualidade, desse jeitinho de contornar as coisas sem confrontar, as saídas pela tangente que por vezes nos fazem eternos Sísifo- o cara da mitologia grega, condenado a levar a pedra até o topo da montanha, pedra que Zeus empurrava para baixo só para o pobre do Sísifo ter que fazer tudo de novo. 

Cansava muito tudo isso. Sem contar ser xingada por não fechar o cruzamento ou ser recriminada por chegar na hora. Ao mesmo tempo, você tem tantas qualidades atraentes, maravilhosas, viciantes até. Um país onde a imensa maioria se entende, falando a mesma língua do Oiapoque au Chuí, é surpreendente. Na Espanha, com território menor que Minas Gerais, há no mínimo 3 línguas oficiais distintas.

Também amo o fato de você ser acolhedor aos estrangeiros. Dizem que está mudando isso, mas eu teimo em acreditar que você vai manter esse jeito boa praça, com o sua antropofagia tão sua. 


Outra coisa maravilhosa, e que me tira do sério no melhor dos sentidos, são suas frutas. Benza Buda!  Ainda não sei como eu consigo ficar longe de goiaba, manga tirada do pé, banana prata e jabuticaba. O gosto da água de coco fresquinha também é algo do qual morrerei sentindo, mesmo só em pensamento. E os bichos? A onça-pintada, o animal mais lindo do universo faz parte da sua fauna. Existe ave mais linda que arara azul? Sem contar o canto do Bem-te-vi, pássaro que só pelo nome já deveria ser tombado como patrimônio da humanidade.

Para completar, você tem essa capacidade irresistível de fazer piada de si mesmo. Tá, por aqui também fazem, mas não são tão rápidos e nem criativos. 

Tem ainda uma coisa muito interessante: o fato de ser brasileira me facilita a vida. Aqui na França, um país chato à beça com essas questões de nacionalidade, quando, desconfiados, me perguntam minha origem, basta eu dizer o seu nome e pronto: vem logo um sorriso no rosto do mais carrancudo parisiense – seguido de uma exclamação “ahhhhh, Brésil!. E completam “Brasil me faz sonhar”! É sempre assim. 

Eu fui embora. Eu sei. Decisão minha, mas eu nunca deixei de te amar. 

Não olho a vida pelo retrovisor, você bem sabe. Ao fazer minha vida em terra estrangeira, procuro fincar meus dois pés no país onde escolhi viver. Não dou para esse negócio de um pé aí e outro cá. Isso distende o músculo da virilha. Não tenho mais idade. 

Ao mesmo tempo, acho que esse enraizamento em outro lugar me fez te amar ainda mais. Não sei explicar. Talvez seja porque sei o que há de dor e delícia tanto em estar aí quanto estar longe de você. Sem o que você me deu, jamais seria eu mesma. Tornei-me alguém forjado para a vida graças à sua instabilidade e capacidade de me desafiar. Antes de desfrutar o mar do Arpoador é preciso encarar o batidão da quebrada. E isso ninguém tira da gente. 

Olha, eu sei que no momento você enfrenta a pior doença que um país poderia contrair – e não me refiro ao corona. Não sou indiferente a isso, mas dói tanto que prefiro não me estender no assunto. E você vai sair dessa. O vírus é destrutivo e incompatível com suas belezas e sua natureza livre, mas eu acredito que ainda existe em você um batalhão de cidadãos-anticorpos. Eles vão arrancar esse cancro, acredite. Você vai sair dessa. 

Um beijo.

Sempre vou te amar, sua e sempre sua amante da pátria.

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4 comentários

  1. Como não amar seu texto?
    Quando leio, acho que você está aqui, batendo um papo.
    O teu texto é tão presente quanto você. Caminham juntos!

  2. Seu texto me representa, apesar de estar aqui, na Pátria amada. Me emocionou.