A pátria e o amor

Eram mais de cem mil pessoas no Champs de Mars neste dia 14 de julho de 2018. Pensava não ter mais idade para este tipo de programa: grandes aglomerações em shows ou eventos gratuitos em meio à multidão. Depois pensei: quem já aguentou Rock in Rio no lamaçal em 1985 (sim, crianças, a tia foi ao primeiro Rock in Rio) não iria intimidar-se com o ponto alto da festa nacional francesa, a famosa queima de fogos na torre Eiffel.

Para quem é do Rio de Janeiro, posso descrever com um pouco mais de precisão, pois trata-se de uma espécie de árvore de Natal da Lagoa, mas sem a logomarca do Bradesco estragando o visual. O motivo do show pirotécnico é celebrar o Dia da Pátria francês, o 14 Juillet, o qual é associado à queda da Bastilha e também ao fim da monarquia francesa.

Aproveito o fato de morar ao lado do evento e me animo. A vantagem de ter uma festa desta dimensão no quintal de casa é poder decidir em cima da hora. Chego lá e tem uma fila para entrar. O parque ao redor da torre está fechado por grades móveis, para obrigar o público a passar pelo esquema de segurança. A fila é enorme e anda rápido. Como é possível?

É porque a maioria respeita, exceto duas mulheres falando russo, dois homens falando inglês e vestindo a camisa da seleção da Alemanha e dois baixinhos falando espanhol com sotaque latino-americano que furaram fila, dando uma de João-sem-braço (ainda pode dizer “João-sem-braço ou é politicamente incorreto?). Eu, carioca que sou, já manjava a atitude dos malandros. Mas nada pude fazer pois estava muito atrás do grupo de japoneses, do qual os sem-educação aproveitaram da visível ingenuidade e cortesia para passaram na frente.

Entro finalmente no local e vejo todo mundo sentadinho nos gramados com vista para a Grande Dama de Paris. Quando o show da orquestra sinfônica (que antecede os fogos) começou, um retardatário chega e cisma em ficar de pé. O povo grita:
– Senta! Senta! Senta!
Mas o filho da pátria se recusa. Eu penso “pronto, vai começar a briga”. Mas não : chega um moço disposto a convencê-lo. Na maior diplomacia, explica o óbvio: todos ali chegaram cedo e seria injusto ele atrapalhar a visão dos outros, visto que ele optou por chegar em cima da hora. O homem cede. E a galera não perdoa: aplausos, assobios e o inusitado uníssono de agradecimento:
– Merci! Merci! Merci!
Taí, tocou meu coração. Mas isso era só o começo.

Na queima de fogos de artifício de Paris no 14 de julho deste 2018, o tema foi o amor. Cada música mais linda que a outra. De “All We Need is Love”, dos Beatles,  à “Purple Rain”, do Prince, passando pela famosa “Habanera”, a ária mais conhecida da ópera Carmen, do compatriota Bizet. E a torre iluminava-se repleta de cores e fogos em forma de corações. E fechou com “La Vie en Rose”, versão Grace Jones e todo mundo cantando e dançando. Para os franceses, “La Vie en Rose” deve ser tipo “Emoções”, do Roberto Carlos…

Sou uma garota de Copacabana e nunca imaginei ver uma queima de fogos mais linda do que aquela do Réveillon à beira da Princesinha do Mar. Ledo engano. Essa história de dar ritmo aos fogos a som de música é uma ideia a ser copiada. A música brasileira é tão rica -inclusive em 2015 teve “Toda Menina Bahiana”, do Gil, na queima de fogos parisiense, com direito à torre dançando (veja o vídeo abaixo). Então, fica a dica: quando o Rio de Janeiro voltar a ter um prefeito que goste da cidade, que tal fazer a queima de fogos ao som de exemplares do rico acervo de nossa MPB?

Enquanto isso, me deixo levar pela certeza que não é mesmo somente brasileiro que sabe fazer festa. Paris, a cidade do amor, contagiou os corações vermelhos, brancos e azuis e os de todas as cores, de todas as pátrias, amadas ou não.

https://www.youtube.com/watch?v=T5Z9CCUizb4

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