Eu não pertenço a Paris

Como de costume, fui marcada recentemente em um texto sobre “o alto preço de viver longe de casa” (sic). Os amigos, sempre bem intencionados, lembram dos expatriados quando encontram todo tipo de escrita a respeito de morar fora. Até costumo apreciá-las, desde que não me venham com generalizações. Fale de seu mundo interior e você será capaz de tocar o Universo. Fale como porta-voz da coletividade e você corre o risco de se tornar pretensioso.

Pois bem, o texto em questão me enviado foi escrito por uma senhorita brasileira e publicado em um grande jornal do país. Fazia tempo que não lia algo tão clichezaço, burguezaço, mimizaço. Eu, como no Brasil nunca fui mimada, também nunca tive essa noção tão incensada de “casa”. Nem dessa sensação de pertencimento tão estilo “classe média sofre”.

A autora despertou minha implicância (assumo ter implicado) logo de cara com a seguinte afirmação: ” …nós, humanos, aprendemos a pertencer demais aos lugares e às pessoas”. A frase me parece rasa como piscina infantil (depois falam mal do Paulo Coelho, breeffff). Afinal, vejo diferença gritante entre quem precisou deixar a tal casa por necessidade ou quem a fez por escolha.

Noções de pertencimento costumam ser bem distintas a quem mora em zona de conflito ou que sofre abusos. Ou a quem viveu mudando de casa por causa do preço do aluguel, ou separação dos pais, ou casamentos desfeitos não deve ver o mesmo sentido no termo “morar fora de casa”.

Ou mesmo alguém que teve tudo: mansão com piscina, condomínio com segurança, babá, comidinha quente saindo na hora, carro do ano, dinheiro sobrando, falando a língua com perfeição. Será que não se sente mais em casa quando vai morar num estúdio de 20 metros quadrados, lavar o banheiro que usa e ser corrigida em público quando escorrega na pronúncia? Que tal tentarmos pensar o quanto uma pessoa viu mais sentido na vida quando precisou enfrentar outras condições?

Não pertenço a Paris ou ao Rio. Pertenço a mim mesma. Como já disse mil vezes, me trouxe na bagagem e nunca tive essas crises. Assim como tenho certeza que não terei se um dia decidir voltar. É muito fácil, sim, viver fora do lugar onde nasceu ou cresceu. Isso quando se tem vontade e a seguinte noção verdadeira e realista: os problemas enfrentados aqui mudam de roupa quando são enfrentados ali. Mas não deixam de existir.

Senti solidão muitas vezes em Paris, mas também incontáveis vezes no meu apartamento na Glória (meu não, alugado) ou num apartamentaço em Botafogo com vista para e enseada (do qual fui expulsa pela especulação imobiliária do Rio). Ou até no lar em um prédio pitoresco da rua Sadock de Sá, um dos endereços mais cool da Zona Sul carioca, onde tive o privilégio de morar com a família, em tempos que Ipanema era só felicidade.

Acho que quem escreve texto sobre morar fora, divagando sobre sofrimento diante do dilema do coração dividido, merecia aquele tapa do Batman no Robin, um même recorrente das redes sociais. (Eu mesma estou merecendo agora).

Ou precisaria conversar com o meu avô português. Ou com o Seu Manuel, porteiro cearence do prédio onde morei na infância. Gente que fugiu da fome, da seca, em tempos sem internet e que nunca voltou para suas “casas”, nem sequer para passar um Natal qualquer. E com quem aprendi que viver é andar para frente. Ou quando precisa recuar, é igual bateria de escola de samba: continua tocando até o cortejo passar. Depois anda pra frente de novo.

Aí vem a pessoa com grana e milhas para dar umas voltinhas na sua cidade de origem “quando a saudade aperta”, pagando de sofredora? Por favor, mais respeito com quem precisa fugir da sua terra por guerra, ditadura ou outro fator impeditivo de retorno. Ou por quem foi numa boa e recebe seus queridos na nova casa e sempre é bem recebida quando volta. Deixa a gente ser feliz e radiante em “estar fora casa”, raios!

Está se sentindo na “bad”? O banzo bateu forte? Claro, isso acontece. E é legítimo. Mas que tal desabafar com um amigo em vez de escrever ao público como se fosse senso comum? Existe tanta coisa além do sonho feliz de cidade…assim como certos sentimentos não são privilégio de quem sai de casa, me poupem.

Preço alto morando fora de casa, quando por escolha, geralmente vai pagar quem não seria bem resolvido nem se tivesse asas pra voar. Consigo imaginar aquele ser voador cheio de dúvidas: e se a asa quebrar quando eu estiver a 8 mil pés de altura? E se der um vento forte, conseguirei enfrentar? E se o sol estiver muito quente? E se o GPS não funcionar? Vai lá e voa, meu irmão! Se não, vai por mim, viver em Paris ou qualquer outro lugar vai ter um preço mais alto que encarar sessões de psicanálise…

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