Somos todos turistas

Além de ter palmeiras onde canta o sabiá, minha terra tem um monumento muito visitado. E para chegar até o Cristo Redentor, uma das maneiras mais práticas é pegar o trenzinho que sobe até o topo do Corcovado, através de um trilho que atravessa a floresta.

Em um dos trechos, o trem segue mata adentro até fazer uma curva, na qual um  clarão na mata e o vão das alturas descortinam uma vista deslumbrante. É a Cidade Maravilhosa vista de cima.

O trecho ficou conhecido como “A curva do ohhhh”, em função da representação onomatopeica da interjeição, produzida pelos turistas que seguem no trem rumo à estátua mais famosa do Brasil. Tão certo como encontrar o Redentor de braços abertos é escutar o “ohhhhhh” em uníssono, expressado pelos passageiros rumo ao Cristo.

Em Paris, acontece algo semelhante na linha 6 do metrô. Durante a ligação entre as estações de Bir-Hakeim e Passy, o trem passa por cima do rio Sena, atravessando a ponte Bir-Hakeim na superfície. A Torre Eiffel, exibida que é, aparece toda frondosa e não há passageiro que resista.

Não chega a ser um “ohhhh” tão expressivo quanto acontece sobre os trilhos cariocas, mas já vi mesmo o mais concentrado ou sisudo francês largar um livro, parar de mexer no celular ou simplesmente desviar um pouco os pensamentos e  dar uma espiadinha na velha dama de ferro imponente.

A primeira vez que vi Madame Eiffel foi desta forma. Levei um susto, me emocionei, faltou ar. Isso já tem mais de 20 anos. Agora, morando ao lado, a vejo todos os dias e confesso, estarrecida, não ter perdido o olhar deslumbrado de turista.

Mas isso não é mérito de Dona Eiffel. Morei a vida inteira em uma cidade dessas com um cartão-postal a cada esquina. Para quem não ligou o nome à pessoa, Rio de Janeiro.  Não pense você ser possível ficar indiferente ao Pão-de-Açúcar. Dentro do ônibus que me levava de casa até o trabalho, e passava pelo Aterro do Flamengo, aquela pintura da natureza roubava-me a atenção diariamente.

Hoje há quem não goste de ser chamado de turista. Associam turismo a uma horda de gente predadora, sem vontade de conhecer de verdade o local e que se desloca só para postar fotos nas redes sociais. O chique hoje é ser ‘viajante’.

Ok, deem o nome que quiserem. Mas mantenham o olhar de deslumbre sobre o belo. Comemorem a dádiva de poder ver de perto, quase todos os dias, algo tão almejado de ser visto pelo mundo. Quando vivemos em uma cidade muito visitada, convém celebrar a sorte de termos uma paisagem de sonhos ao alcance dos olhos.

Um recente episódio lembrou bem isso de ser turista na sua cidade. Peguei a linha 6 do metrô parisiense e quando o trem começava a passar pela ponte Bir-Hakeim, e a Torre Eiffel já estava à vista através das janelas, a composição parou por algum probleminha. No mesmo vagão que eu, encontrava-se um grupo de turistas brasileiros.

Uma jovem, provavelmente em sua primeira viagem a Paris, empolgou-se. Fez “ohhhhh”, tirou muitas fotos, chamava todos do grupo com imperativos “olha, olha a torre, olha ela ali”. Após alguns segundos de muita excitação, já mais calma, muitos selfies depois, o trem recomeça seu trajeto.

A jovem, ainda olhando para a torre já desaparecendo, lança a questão a quem está do seu lado “Será que esse metrô sempre para aqui para os turistas verem a torre com calma?”. Eu sorri no meu canto e pensei em contar-lhe a verdade. Mas optei por nada dizer.

Tomara ela esteja hoje contando a todos na cidade onde mora: “Olha, em Paris tem um metrô que dá uma paradinha sobre uma ponte, só para os turistas poderem ver a Torre Eiffel com calma”. Tomara ela continue a acreditar nisso.

Afinal, em se tratando de semear sonhos e manter o olhar deslumbrado da ingenuidade, deveríamos todos sermos sempre como turistas.

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1 comentário

  1. Ah, que não percamos nunca seja nossa capacidade de arrebatamento, seja de espanto. 🙏