As pequenas saudades

Faltavam dois dias para eu pegar meu avião com destino ao lugar onde viria para passar só um ano e acabei fincando minha bandeira. Era uma quente noite de começo de outono no Rio de Janeiro. Havia feito minha última visita à casa da minha mãe, última como filha habitante da mesma cidade, entenda-se bem.

Saí de Copacabana rumo ao meu apartamento na Glória e peguei o metrô, como de costume. Ao sair na estação, a 300 metros de casa, dei de cara com uma lua escandalosa ao fundo do Outeiro. Meu coração apertou, como ainda não tivera tempo de fazer em meio a tantas coisas práticas a serem resolvidas. 

Cheguei em casa, uma casa já quase toda vazia, sentei-me no sofá e chorei. Chorei de saudades antes de partir. Envolvida por aquela emoção antecipada, peguei um bloco e comecei a anotar tudo aquilo que, supunha, sentiria falta no novo destino. 

Mas como já me ensinara mestre Rosa (o Guimarães), só coragem a vida queria de mim. Após tudo anotado, enxuguei as lágrimas e cheguei ao novo pouso e nunca – repito: NUNCA – mais chorei de saudade. Chorei uma vez ao me despedir da família que partia após sua primeira visita. Mas não era de nostalgia da vida no Rio. Estava mexida por vê-los partir e isso acabou me confrontando com a nova realidade: Paris agora era meu lugar, lugar onde viveria ainda muitas chegadas e partidas.

Eis que já instalada na capital francesa, numa terça-feira fria, já há uns bons 5 anos após aquela noite carioca de luar, saio de faculdade rumo ao Jardim de Luxembourg, onde pegaria um ônibus para casa. 

Andava distraída quando uma lua cheia, tão escandalosa quando daquela noite subindo as escadas do metrô na Glória, me chamou atenção. Desta vez não era o Outeiro ao fundo, mas uma construção tão bela quanto o monumento carioca: a deslumbrante cúpula da capela da Sorbonne. Meu coração apertou como naquela noite quente no Rio de Janeiro.

Lembrei-me imediatamente da lista das possíveis saudades, da qual já havia até esquecido. Corri para buscá-la no bloco de notas do celular. Fiquei surpresa. 

Havia listado um monte de coisas para as quais encontrei em Paris, quase de imediato,  substitutos à altura. Em resumo, praticamente nada daquilo ali me fizera falta nos últimos anos.

Ao mesmo tempo, o novo ambiente me trouxe novas saudades.  Apaguei a lista anterior e comecei a escrever as coisas do Rio das  quais mais sinto falta agora. 

Ei-las:

-Pipoqueiros em cada esquina ;

-Praia no meio do perímetro urbano;

-Água de coco geladinha;

-Gente falando alto;

-Ovo rosa;

-Saber que posso encontrar coxinha de galinha, pão de queijo, goiaba e sabão de coco sempre que quiser;

-Chamar as pessoas de “moça” ou “moço”, – tratamento tão carioca e que é o supra-sumo da informalidade educada;  

-Barulho de cigarra ;

-Gerúndio;

-A funcionária do caixa me perguntando “crédito ou débito, senhora”?;

Porque são as pequenas coisas do dia a dia os reais vínculos que nos enlaçam a uma determinada cultura. E a falta delas na rotina diária acaba extinguindo a sensação de pertencimento paulatinamente, sem dó nem piedade. 

Eu não pertenço mais ao Rio e tão pouco pertenço a Paris, suponho. Acostumamo-nos nos a viver sem essas coisas. Por vezes nem gostamos de muitas delas – caso do ovo rosa, que nunca comi mas adoro olhar. Quando  estamos no nosso ambiente de origem aquilo é tão trivial a ponto de quase tornar-se invisível. 

Até o momento no qual o deslocamento geográfico faz com que  eventos banais tragam essas lembranças de volta, extraídas por aquele enigmático processo neural chamado emoção. 

Aí vem um calorzinho por dentro difícil de explicar com signos e significados. Somos muito curiosos mesmo, digo nós humanos. Por vezes achamos que nos conhecemos tão bem. Aí a gente arruma nossa trouxinha rumo a outro mundo e descobre o quanto de mistério há dentro da gente. Como o fato de nunca sabermos muito bem quais são, foram ou serão nossas verdadeiras grandes ou pequenas saudades…

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