Que p… é essa, Brasil?

Fim de jogo na Rússia. Sentada ao balcão de um bar, banco alto e olhos ainda vidrados na TV, sigo tentando entender os lances repetidos nas imagens após o término da partida. Ainda distraída, sinto uma mãozinha leve na minha cintura. Olho para baixo e vejo uma menininha de olhos doces e gesto tímido. Presumo ter uns 8 anos.
– Com licença, a senhora é brasileira, não é?
A camisa amarela não era sinal suficiente para aquela francesinha curiosa. Sorrio e respondo.
– Sou sim.
E ela manda sem hesitar:
– Então a senhora pode me explicar o significado da palavra ‘porra’?

Nesse momento agradeço aos deuses por ter evitado o gole da cerveja que esquentava à minha frente. O primeiro pensamento foi “Mas que porra é essa?” Eu não tive filhos e agora estou num bar em Paris, sofrendo a saia justa típica de quem deu à luz rebentos curiosos.

Olhei ao redor, desesperada, no intuito de achar os pais da pequena futura jornalista, e vejo um casal sentado à mesa, comendo na companhia de um bebê. Eles me olham e me acenam com a cabeça num gesto cujo o significado parece ser “vá em frente”.

Retorno a atenção à pequena ao meu lado, já respirando profundamente no intuito de buscar inspiração para me livrar dela com delicadeza, mas sem dar muitos detalhes. Consigo esboçar a primeira explicação.

– Olha, é um palavrão sabe?
Ela arregala os olhos e leva a mão direita à boca.
– Oh-lá-lá!
– Pois é, chérie, e, como talvez você saiba, os palavrões nem sempre têm significado…
Ela responde sem hesitar.
– Têm sim
– Ah é? Poxa, tá vendo, você sabe mais que eu… (falo isso e depois sinto vergonha da resposta)
– Eu sei um monte de palavrão. Mas eu não falo.

Sinto uma certa repreensão da parte da criança. De fato, onde quer que haja brasileiro vendo os jogos da Copa do Mundo, a palavra “porra” será a mais ecoada. Diante da reprimenda infantil, o brio me fez querer defender os brasileiros nesse momento. Precisava tirar da pequena francesa a má impressão sobre compatriotas desbocados. Para ganhar tempo, pergunto o nome da jovem curiosa.
– Como você se chama?
– Chloé.
– Bonito nome, Chloé. Olha, deixa eu te explicar uma coisa: no Brasil o futebol é algo muito sério. A gente diz que é como se fosse uma religião. Somos apaixonados por futebol. Aí, ficamos muito emocionados quando a seleção joga. Não admitimos perder e nem jogar mal. Então, na hora que o jogador não faz as coisas certas, o palavrão sai, sem controle, sabe?
– Mas vocês falam ‘porra’ também na hora do gol, quando estão felizes…

Desta vez ela me pegou. Diante da minha boca aberta e sem argumentos, usei a interjeição tipicamente parisiense:
– Baaahhhhh

E enquanto eu ainda procurava um meio de explicar o porquê do ‘porra’ estar na boca do brasileiro na alegria e na tristeza, a menininha pede para eu me abaixar. Coloca as mãozinhas ao redor da sua boca e sussurra em meu ouvido esquerdo:
– Eu já entendi, é igual a ‘putain’ em francês, que gente grande usa quando gosta e também quando não gosta de algo.
Nesse momento, só tenho forças para usar outra interjeição da língua da Molière:
– Voilà!
Mas ela é incansável.
– Como se escreve?
Não tive outra saída se não soletrar. Ela agradece e volta à mesa dos pais. Começam a conversar, eu não consigo escutar por conta do barulho ao redor. Vejo o pai pegar o celular. De repente, seus olhos se arregalam e dá um sorriso nervoso. Suponho que deva ter consultado um tradutor.

Discretamente, chego até o amigo Google e constato: para o francês, nossa porra é traduzida como ‘gozo’. A questão irresistível surge de súbito em minha mente: quem será o dono da porra toda na final dessa Copa? Não dá para prever. Mas entre os shows de Cristiano Ronaldo, os bailes do México, os sufocos da Alemanha, o tango dramático argentino e as quedas de Neymar, muita porra, digo, muita bola ainda vai rolar…

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1 comentário

  1. Menina, vc é ótima para contar um “causo”. Sorri e dps até ri! abraços