Tempo condicional

Um dia peguei um avião de Paris pra Lisboa. Por conta dos fusos horários distintos, e horários de verão desacertados, cheguei à capital portuguesa na mesma hora na qual parti da Cidade Luz.

Uma sensação deliciosa – e muito louca -de ter voltado no tempo arrebatou-me. Um pensamento nada convencional ocupava-me a mente sem espaço para outros pensares. “Uau! Ganhei de novo essa hora, nesse dia. Agora posso fazer diferente!”

A excitação por já ter tido a experiência deste momento em meu passado, mesmo um pequeno passado, me movia de forma quase infantil. Olhava as pessoa ao redor, o mundo ao redor, com uma sensação indescritível.

Amo essa ideia de voltar no tempo. Alguém não ama? Tema recorrente de roteiros de filmes e livros, a ideia de uma segunda chance de viver situações ou fases da vida é irresistível.

Não por acaso, a vivência banal do voo que me trouxe de volta a duas horas atrás desencadeou uma brincadeira mental com a condicional de probabilidade, um dos tempos verbais franceses mais usuais – e, ao menos para mim, mais complicados.

Complicação essa transformada rapidamente em um exercício de conjugação da própria vida. E, quase involuntariamente, me vi distraindo-me enquanto esperava a mala chegar à esteira. E se eu voltasse a um tempo mais remoto?

E se eu tivesse chegado a Paris 30 anos atrás?…

… já teria um diploma da Sorbonne.
… trabalharia no jornal Le Monde.
… teria me casado com um francês.
… contaria aos meus três filhos a problemática do gaulês.
… estaria divorciada de um parisiense.
… na língua francesa seria fluente.
… ninguém repararia meu sotaque.
… aqueceria meu frio bebendo conhaque.
… moraria em um apartamento na Bastille.
… ganharia do governo a “bolsa famille”.
… do Brasil sempre sentiria saudade.
… diria sem rodeios a verdade.
… tomaria banho só uma vez por dia.
… nem ligaria para a louça na pia.
… viajaria nas férias para um lugar exótico.
… aprenderia finalmente o que é o estilo gótico.
… reclamaria de coisas pequenas a cada minuto.
… do Flamengo o Paris Saint-Germain seria substituto.
… viajaria no tempo de novo para ver como seria no Rio.
… acostumaria o corpo a lidar com o frio.
… seria eu realmente mais feliz?
… nunca saberia, mas já estaria há mais tempo em Paris.

 

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1 comentário

  1. parabéns! perfeita a descrição duma alegria que só a criança que habita em nós conhece.