O ar de Paris

Uma das primeiras coisas que me chamou atenção quando estive em Paris pela primeira vez foi uma latinha, estilo lata de sardinha, escrita “L’air de Paris’ (O ar de Paris) à venda em uma dessas típicas lojas de bugigangas típicas e souvenirs. Era início dos anos 1990, não havia globalização e a internet era algo só de iniciados. Achei sensacional a ideia da latinha e foi a lembrancinha que acabei comprando para a maior parte dos amigos.

No Brasil, era comum a expressão ‘ah, nada como o ar de Paris’ para os afortunados que chegavam da Cidade Luz com aquela cara de quem tinha subido uma oitava na escala dos privilegiados. Uma cara boa, de felicidade, um risinho de lado, quase soberbo…’ah, o ar de Paris’. Sem contar os amigos e familiares que, quando a gente perguntava se queriam alguma coisa da cidade, simplesmente diziam: ‘me traz um pouco do ar de Paris!’

Bingo. Alguém se apropriou: a lata do ar de Paris é patenteada. E isso só me fez achar ainda mais sensacional. O cidadão pegou uma máxima do inconsciente coletivo e conseguiu ganhar dinheiro com isso. Por 5 francos, atualmente acho que seria o equivalente a um ou dois euros, a horda de quase 40 milhões de vistantes anuais a Paris faz a caixa registradora do criador da latinha tilintar.

O mais engraçado é a composição. Como Paris é uma cidade com índices de poluição do ar bem altos, a lata diz que contém oxigênio, hidrogênio e nitrogênio, além de alguns agentes poluentes.

Ontem, 7 de maio de 2017, lo no primeiro minuto após o resultado das eleições presidenciais o ar ficou mais leve. No café onde me encontrava, as pessoas brindaram. E quando digo as pessoas,eram os fregueses e os trabalhadores.

Na rua, passavam, sem fazer muito alarde que parisiense não é barulhento, pessoas carregando bandeiras. Da França e da União Europeia.

Amigos foram até o Louvre ver a festa. “Foi super tranquilo chegar e está super tranquilo aqui”, disse-me a amiga que deu flashes direto do local onde o novo presidente fez o discurso.

Mas o maior indicador para mim foi o metrô. Antro de maior concentração de mal humorados de Paris, horas após a eleição parecia que uma spray de alívio e de ‘detox’ tinha passado nos vagões. Ali, onde a mistura francesa de gente das mais diversas origens – caucasianos, africanos, orientais, árabes, latinos – se concentra, pairava um ar de ‘ufa, resistimos’.

Não sou tão entusiasta do liberalismo do novo presidente. Mas, convenhamos, citar a palavra ‘amor’ no primeiro discursos de vitória, dizer que vai governar a frança com amor, me remete aos ideias de Luther King: ‘Entre o amor e o ódio, fico com o primeiro. O ódio é um fardo muito pesado para se carregar‘.

A senhora por ele derrotada inflamava a divergência, a divisão. Meio como vem acontecendo no Brasil. Já o garoto insolente, que teve a ousadia de se candidatar à revelia dos partidos políticos, ao menos carrega seu ar democrata.

E isso deu leveza ao ar.

Lutemos por aquilo que acreditamos, mas sem truculência. Essa é a mensagem, a meu ver, que fica desta eleição. E sigamos respirando um ar de Paris poluído somente pelas partículas de dióxido de carbono, nunca pelos ideais reacionários.

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3 comentários

  1. Gostei muito dessa crônica e me deu saudade do ar de Paris.

  2. Parabéns pela crônica. O ar de Paris é mágico e embriaga qualquer um