A gente perde a eleição, mas não perde o humor

Francês é discreto. Um atentado ocorreu há duas semanas e uma eleição presidencial começou há cerca de duas horas. Ou melhor, começou ontem nos consulados dos países mundo afora e na chamada France Outre-Mer, Martinica, Ilha da Reunião, Guadalupe, Guiana Francesa, espécie de colônias eternas da terra de Napoleão.

E não há arroubos emotivos pelas ruas. A rotina parece seguir normal. Uma fila e outra comportadas em frente às escolas, principais locais de votação pelos bairros. No mercado, ouso ‘mexer’ com alguns e digo ‘boa eleição’ ou ‘bom voto’ e vejo aquela revirada de olhos e a bufada tão típicas, seguido do “mais, bon, voilà“. O voto não é obrigatório. São 30% de franceses indecisos e que sequer sabem se irão até as urnas.

Em Paris, minha entourage (pessoas com quem me relaciono pessoal e profissionalmente) divide-se na preferência de 3 candidatos:

– François Fillon, do partido Republicano e considerado direita moderada. Está sendo investigado por escândalos de corrupção;

– Emanuel Macron, que criou o En Marche! é ex-ministro da economia de Hollande e considerado de centro-esquerda. É liberal e visto como “candidato dos banqueiros” pela esquerda.

– Jean-Luc Mélenchon, Vem com a sigla criada por ele próprio LFI (Lá France Insoumise) e é considerado extrema-esquerda. Tem ideias como tirar a França da Europa e dar “cidadania” a todos os imigrantes, o que arrepia os conservadores. Subiu nas pesquisas após o primeiro debate com seu dom da oratória e ao adotar um discurso “extrema-esquerda paz e amor”.

Essa pequena descrição dos candidatos é apenas para ilustrar que, em Paris e ao meu redor, ninguém declarou o voto na assombração dos moderados: Marine Le Pen, a candidata da Front National, extrema-direita radical que tem como promessa de campanha expulsar todos os estrangeiros do país.

Le Pen tem cerca de 22% das intenções de voto, segundo a última pesquisa. Mas analistas políticos franceses são unânimes: nas urnas, ela atingirá, no mínimo, 10% a mais de votos do que mostram as intenções. Existem os eleitores silenciosos, aqueles com vergonha de declararem seu voto, mas que não resistem ao populismo extremista de Madame Le Pen.

E Hollande, voará em quem?

Tenho para mim que o atual presidente, François Hollande é um destes eleitores enrustidos. Imagino-o olhando para um lado e para o outro e marcando um X em Marine.

Sem um candidato para chamar de seu, visto que seu primeiro-ministro, Manuel Valls, perdeu nas primárias do partido, o voto-protesto seria o lado vingativo aflorando no presidente que sai de cena com apenas 4% da aprovação de seu povo. “Vai petite Marine , governa a França! Faz esses ingratos sentirem saudades de mim!!” pensaria François.

O certo é que nesta eleição que acabou de começar, tudo é incerto. Mas existe o medo de vencer a extrema-direita. Medo e possibilidade. Não declaro meu voto, até porque não voto, mas não gostaria de ver a quimera populista de faixa azul, vermelha e branca no poder.

Como hoje é dia de São Jorge, evoquemos o santo contra o dragão da demagogia reacionária. Somos todos França neste dia e no próximo 7 de maio, quando finalmente será decidido o segundo turno e quem será a autoridade máxima francesa nos próximos 5 anos.

Você também pode gostar de: