Simplicidade

A simplicidade é a sofisticação máxima. Essa frase não é minha, é do gênio Leonardo Da Vinci e virou meu lema (ou « devise » em francês). Para quem não sabe bem o significado de lema ou « devise », trata-se de uma frase ou palavras de ordem com o objetivo de resumir um propósito.


Alguns países têm lemas. Na França é « Liberdade, fraternidade, igualdade ». No Brasil é, ou deveria ser, « Ordem e progresso ». Há pessoas apreciadoras de lemas, escolhendo um para suas vidas. Os lemas podem mudar com os anos, vivências, experiências. Há 15 anos o meu é a frase do Da Vinci que abre a crônica de hoje.


Antes de me jogaram tomates do tipo « ahh, vai te catar. Mora em Paris e vem falar em simplicidade??? ». De fato eu não posso convencer ninguém de que o melhor de Paris é simples. Afinal, a gente vive o mundo dos looks do dia inundando as redes sociais. Ou dos roteiros das blogueirinhas e blogueirinhos que fazem fila de espera (eu juro, até registrei isso num vídeo) em determinados pontos considerados « cool » para fazerem suas fotos ou « stories », com os monumentos parisienses ao fundo.


Como jornalista eu vivo em conflito entre o dever de mostrar aquilo que é relevante e a vontade cada vez menor em revelar para uma massa de desatentos as coisas simples (e portanto, sofisticadérrimas) da vida parisiense.


E, acreditem, não estou falando de bolsas Hermès, nem desfiles Chanel, muito menos de jantar no terraço de um hotel com chancela « relais Château » (que vale mais que os 5 estrelas) de cara para Madame Eiffel. Não. Já fiz isso tudo como jornalista, recebi pagamento dos veículos que me contratavam para fazer e, de tão cansada pela pegada deste tipo de cobertura, nem lembrava de publicar post nas minhas redes pessoais.


Fiz uma vez. Ao entrevistar Cate Blanchet para a ELLE Brasil e, quando pedi para tirar uma foto DELA e não COM ela, a atriz do cinema internacional, puxa meu celular, entrega ao seu assistente e diz « vamos fazer uma foto juntas, você é uma ótima repórter e não me fez perguntas tolas ». Ganhei o dia. E publiquei esse chiste de bastidor. Um dia conto melhor em uma crônica.


Hoje o mundo é da divulgação de experiências. Tipo: postou? Não? Então dançou. Dos excessos de viagens, todo mundo propagandeando seus feitos profissionais, todo mundo vendendo seus lemas em troca de likes. E, despreparada que sou, continuo na minha vidinha de arrancar o bico da baguete quentinha antes de chegar em casa, de fazer tanto amor no dia de Saint Valentin e já colocar o presente que ganhei na hora que, pronto, passou o dia e não fiz minha postagem. Quem agora vai acreditar no meu dia cheio de corações transbordando internamente? Como vou conseguir meus milhões de seguidores, raios??!!!


Sou um fracasso porque meu lema é a simplicidade. Saio muito mais realizada e cheia de vida de uma visita à amiga hospitalizada, e rodeada de amigos para lhe dar força, do que de um jantar com os designers do “Top Award de não sei das quantas” no restaurante servindo comida em forma de espuminha.


E antes de me chamarem de “pobre a desdenhar do luxo”, leia o livro “Você está louco!”, do Ricardo Semler, um dos brasileiros mais ricos, e dono de um hotel com a chancela “Relais Château” em Campos do Jordão. Seu carro chefe da cozinha é feijão preto plantado na horta deles, arroz e bife acebolado. Os milionários que lá se hospedam até choram. Chamam o gerente pra lhes dizer que aquela comida fez lembrar sua infância, ou um tempero caseiro de uma avó distante. Luxo é a simplicidade, meus amores.


Proponho você consultar agora o tribunal da sua consciência. Lembra do melhor momento da sua vida. Foi no lugar mais luxuoso ou foi uma conquista pessoal ou um momento compartilhado com alguém que você ama ou amou? Foram a ansiedade ou as dores de trazer ao mundo o seu filho ou foi provar o Romanée-Conti exclusivo de 30 mil euros? Foi vestindo o sobretudo Prada ou pelada(o) na cama com quem você desejava? Foi dormindo num travesseiro de penas de ganso ou recebendo um dengo do seu bichinho de estimação? Foi o voo em primeira classe ou foi a chegada com direito a abraço apertado no saguão do aeroporto?


E se ainda não acreditam, por acaso viram a foto do Joaquim Phœnix depois de ganhar seu Oscar de melhor ator? Eu reproduzo o clique do fotógrafo Greg Wiliams.


Eu não sou bobinha e sei que muito provavelmente rola uma jogada de marketing fantástica por trás desta foto. Porém, o marketing condiz com a propagação dos valores de Phœnix, não é mesmo? A lanchonete vegetariana, o tênis com vestido da namorada, o riso espontânea capturado pela lente, sentar no chão e colocar a estatueta dourada no meio.


Recado dado. Para chegar ao Oscar certamente é preciso tanto esforço e depuração de talentos. Mas ganhá-lo talvez não seja o ápice da sofisticação. A sofisticação máxima é permitir-se levar o prêmio para bater o rango preferido, ao lado da pessoa amada, que calça tênis para acompanhar o vestido, desfrutando daquela simplicidade. Bem longe do tapete vermelho, da barriga de tanquinho em Noronha ou do terraço com champanhe na capital francesa. Eis o desprendimento do ego cedendo ao encontro real com o lema de vida. E ponto final.

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8 comentários

  1. Amei!!! Digo que a simplicidade é chique. Adoro o simples!!! O sofisticado é prazeroso tbm, mas de vdd a simplicidade é mais marcante e gostosa. Deixar o salto e colocar uma rasteirinha…Nossa!!! Como é bom.

  2. Adorei a sua crônica!
    Eu sou uma sofisticada simples.

  3. Amei a crônica! Eu amo Paris ! Simplicidade para mim foi quando fui a Paris e a recepcionista do Hotel falou Bon jour , nossa que momento !

    1. “Menos é mais”, como já diria não sei quem… que de tão simples, passou despercebido (pelo menos pra mim! ). Lema nobre num mundo tão fútil.
      Hoje em dia não é suficiente estar feliz. É necessário ser visto sendo feliz e gastando dinheiro, senão não conta. E nem precisa estar feliz de verdade… quem vai saber?

  4. Isso me fez lembrar que te prometi um feijão com arroz😊. Texto lindo! Adorei!

  5. Sem dúvida nenhuma, o melhor da vida é o “simples”…
    Pés no chão, bife com batata frita, assistir o pôr do sol, beijar na boca…

  6. Tarde de hoje. E tantas outras. Sofisticação máxima.